O Batismo e a Unção dos Enfermos têm uma raiz firme na liturgia do Antigo Testamento. Neles foram preservados dois importantíssimos elementos daqueles rituais — a água e o azeite de oliva —, assim como o sentido espiritual que comunicam, selam e provocam, especialmente quanto ao perdão dos pecados, que está presente nos ritos da Lei como nesses dois sinais do Novo Testamento (cf. At. 2:38; Tg. 5:14-15).
As continuidades e semelhanças entre os sinais de ambos os Testamentos vão muito além do que se apresenta aqui, e sem dúvida incluem outros sinais, como a Eucaristia, ainda que esta tenha um propósito único e incomparável na história da salvação. Mas o Batismo e a Unção dos Enfermos não são meras repetições do que se determinou na Lei; neles se dá sempre algo maior e mais importante do que os sacramentos antigos dos hebreus. Por isso causa espanto a simplicidade que Sto. Agostinho viu nos sacramentos cristãos, cada um ao mesmo tempo simples e sublime, certamente ambas as coisas mais do que os sinais que os precedem.
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Batismo
At. 2:38: Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Atos 2:38
Um ancestral evidente do Batismo no Antigo Testamento é a ablução de purificação. A Lei Mosaica disciplina as situações que tornam alguém impuro e provê o impuro dos meios de se purificar. A impureza impede a participação nas coisas sagradas — entrar nos lugares santos, participar dos ritos santos e tocar as coisas santas — até que a impureza seja removida.
A afinidade entre o Batismo cristão e as aspersões do Antigo Testamento era instintiva para os próprios cristãos do Novo Testamento; na Carta aos Hebreus, essses rituais da Lei são chamados de baptismoi (Hb. 9:10; acus.). Até foi preciso explicar que o Batismo cristão não era um ritual de purificação da carne, mas da consciência (1Pe. 3:21). De todo modo, a ligação foi favorecida pelo simbolismo natural da água enquanto um símbolo de vida e pureza, mas também de morte.
Na Lei, o caso mais impressionante é o da impureza provocada pelo contato com um cadáver, que só pode ser removida através de uma “água purificadora” com as cinzas de uma novilha vermelha, animal raríssimo (Nm. 19). A Lei Mosaica prevê as situações em que alguém se torna ‘impuro’, assim como deixer de sê-lo. Estar impuro impede a participação nas coisas sagradas — entrar nos lugares santos, participar dos ritos santos e tocar as coisas santas — até que a impureza seja removida.
Há outras dificuldades espantosas no ritual: os que participam dele, até mesmo o sacerdote, ficam impuros por um tempo, mesmo quando não há nenhum contato direto com o impuro (v. 7, 8, 10)! Quem tocou o cadáver deve ser purificado com essa água no terceiro e no sétimo dia; caso isso não aconteça, a Lei não prevê nenhuma outra forma pela qual essa pessoa possa voltar a ser pura. Aparentemente, é uma impureza eterna, que impedirá o sujeito para sempre de participar das coisas sagradas para sempre. Quem tocou no corpo torna-se, assim, um maldito, um pária: “essa pessoa será eliminada de Israel” (Nm. 19:13). É um destino terrível.
As cinzas dessa água purificadora são chamadas de “oferta pelo pecado” (literalmente, “pecado”, ḥattâʾâṯ). A água, por si mesma, não purifica aquele que foi contaminado com a “morte”, diferentemente de outros rituais. Algo é acrescentado a ela, o sacrifício da novilha vermelha, e isso leva à purificação.
As semelhanças com o Batismo do Novo Testamento são surpreendentes. Também o Batismo leva-nos para da morte para a vida (Rm. 6:3-7; Cl. 2:12), permitindo que participemos do Israel de Deus (1Co. 12:13) e purifica-nos dos nossos pecados (At. 2:38; 22:16; cf. Rm. 6:7). Ademais, como escrevi anteriormente, o Cristianismo não abole a linguagem sacerdotal de ‘impureza’, mas apenas a interioriza. Assim como fala de perdão, expiação e remissão, o Novo Testamento emprega a linguagem sacerdotal da purificação pelos nossos pecados (Hb. 1:3; 2Pe. 1:9; 1Jo. 1:7). Como no sacrifício da novilha, não é a água do Batismo por si que nos purifica, mas o sacrifício de Cristo, que opera nela.
Pode-se dizer, sem dúvida, que tudo aquilo que era intenção do ritual da água de purificação está incluído no Batismo, ainda que de forma única e mais gloriosa.
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Unção dos Enfermos
Tg. 5:14-15: Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.
Outro importante ritual de purificação é o da lepra. A despeito de como encaremos esse fato, a purificação envolve sacrifício e expiação pelos pecados. Em certos casos a lepra é o castigo por um pecado (Nm. 12:9-10; 2Sm. 3:29; 2Cr. 26:20; cf. Lv. 14:34). Pela prescrição mosaica, os leprosos deveria viver fora da comunidade, e nisso eles aparecem juntamente com os que tocaram em cadáveres e dos que têm fluxo contínuo de sangue (Nm. 5:2-3); as três situações estão de certo modo ligadas à doença e à morte.
Caso a lepra retrocedesse, o sacerdote poderia realizar sua purificação através do ritual prescrito na Lei, o qual, assim como o anterior, envolvia a água e os sete dias (Lv. 14). Mas o ponto alto do ritual é o momento em que se usa azeite para unção. Assim como o ritual da ordenação dos sacerdotes levitas, a purificação dos leprosos envolvia sangue, água e óleo, e esse óleo era parte do processo de expiação e purificação.
Lv. 14:15-18: Também tomará do sextário de azeite e o derramará na palma da própria mão esquerda. Molhará o dedo direito no azeite que está na mão esquerda e daquele azeite aspergirá, com o dedo, sete vezes perante o SENHOR; do restante do azeite que está na mão, o sacerdote porá sobre a ponta da orelha direita daquele que tem de purificar-se, e sobre o polegar da sua mão direita, e sobre o polegar do seu pé direito, em cima do sangue da oferta pela culpa; o restante do azeite que está na mão do sacerdote, pô-lo-á sobre a cabeça daquele que tem de purificar-se; assim, o sacerdote fará expiação por ele perante o SENHOR.
Portanto, assim como o azeite do ritual de purificação da lepra era veículo de perdão, também o azeite do Novo Testamento é veículo de perdão. Mas a diferença óbvia é que, enquanto o óleo da Lei era usado após a cura da lepra, no Novo Testamento ele era empregado como um sinal para a cura da lepra, como testifica o uso pelos apóstolos, ainda durante o ministério galileu de Jesus, “curavam numerosos enfermos, ungindo-os com óleo” (Mc. 6:13). Particularmente interessante é também o paralelo entre o ministro da Lei e o ministro do Evangelho: o presbítero de Tg. 5:14 corresponde o sacerdote de Lv. 14, e isso esclarece o fato de que esses presbíteros do Novo Testamento sejam ministros também do perdão divino.
G. M. Brasilino