As parábolas de Jesus nos dão uma imagem magnífica do perdão divino.
Na mais famosa, a do Filho Pródigo, o perdão escandaloso do pai vence toda a vergonha pública e se lança sobre filho, mesmo antes que ele confesse o seu pecado, e o chama à alegria do banquete escatológico. Bastou o retorno do filho. É o perdão doado sem reservas, sobre um filho que havia desonrado o pai, pela felicidade do retorno. O perdão é a reconciliação, é reviver, é ser encontrado.
Na parábola do Credor Incompassivo, o perdão é exigente quanto ao nosso comportamento futuro, mas sua compaixão diante da humilhação penitente é tamanha que toda a dívida é perdoada — nenhum centavo resta a pagar.
Repetindo o tema, a Parábola dos Dois Devedores fala da motivação do perdão: os dois devedores não têm com o que pagar, e o resultado é que aquele que foi mais perdoado amou mais.
Na parábola mais próxima da realidade humana (parábola exemplar), a do Fariseu e do Publicano, novamente bastou confissão penitente e contrita do publicano diante do altar divino, sem o desejo de parecer melhor do que ninguém, e ele retornou para casa justificado.
Essas lindas parábolas estão em continuidade com as narrativas patriarcais de perdão gratuito — de como Esaú e Jacó se reconciliam, ou de como José perdoa os seus irmãos —, e se inserem no Pai Nosso, no qual o perdão divino sobre nós e o perdão humano sobre os nossos devedores se vinculam tanto em natureza (perdoamos do medo modo) como em dependência (somos perdoados porque perdoamos).
A imagem que essas parábolas transmitem não é a de um Pai exigente que só perdoa quando é satisfeito, quando tem sua honra reparada (Sto Anselmo) ou quando tem sua ira satisfeita com violência (Calvino). Deus é maior que a mesquinharia humana.
O que eu acho da teoria da satisfação de Santo Anselmo? De vez em quando, alguém pergunta sobre essa teoria, geralmente algum evangélico instatisfeito com a teologia da Substituição Penal que, pelo hábito, não quer largá-la de todo, procurando refúgio na lógica mais próxima. A teoria de Santo Anselmo preparou o caminho para a Substituição Penal.
Basicamente, essa teoria da satisfação explica a obra redentora como uma “reparação” (satisfação) da honra de Deus, que foi violada pelo pecado (de Adão e depois o nosso). Embora a honra de Deus propriamente dita não seja afetada, a ordem do mundo (ordo universi) o foi, e há a necessidade de uma reparação para que a humanidade possa ser perdoada. A redenção é explicada em termos dessa “habilitação” do perdão divino: a obediência de Cristo repara (satisfaz) a desobediência da humanidade, que esta não seria capazes de satisfazer, já que todo bem que a humanidade faz estaria já dentro de sua própria obrigação, nunca havendo “crédito” para compensar os deméritos.
Eu vejo vários méritos e vários problemas sérios na teoria anselmiana. Vou mencionar três prós e quatro contras:
P1. A teoria concorda muito bem com nossas experiências em torno de crimes graves. Diante de algo como o apartheid, por exemplo, ninguém espera que os criminosos sejam simplesmente perdoados e a coisa seja esquecida. Há a necessidade de uma reparação. Embora a teoria anselmiana seja frequentemente acusada de refletir o sistema feudal de lealdades, penso que isso diz respeito apenas à linguagem que Anselmo usa, e não à substância de sua doutrina, que pode ser exemplificada tanto na Idade do Ferro como hoje. De fato, quando os primeiros pais da Igreja usaram a noção de “satisfação”, muito antes de Anselmo, eles tinham em mente, em primeiro lugar, não tanto a obra de Cristo, mas o tipo de reparação penitencial que nós fazemos quando pedimos perdão a Deus. Eu penso que a teoria anselmiana tem esse mérito, que diz mais respeito à psicologia do penitente/perdoado e à sociologia da honra.
P2. Um segundo mérito na teoria anselmiana é fazer a pergunta correta: por que Deus se fez homem? Essa era a pergunta que os seus interlocutores judeus e muçulmanos (reais ou imaginários) fariam. Na modernidade, nós frequentemente fazemos a pergunta errada: por que Jesus morreu? Embora exista um “propósito” nessa morte, a pergunta correta deve ser em termos de encarnação, e é isso o que nos permite ressaltar corretamente diversas dimensões da obra redentora (não apenas a morte): a obediência, a doutrina, os milagres e exorcismos, o sofrimento, a descida aos infernos, a ressurreição, a ascensão. Tudo isso é parte da obra redentora, e nós falhamos em entendê-la quando perguntamos de maneira muito restrita.
P3. Um terceiro mérito na teoria anselmiana é preservar o pano de fundo de todas as grandes teologias da redenção: a recapitulação adâmica. Cristo recupera e supera, por sua obediência, aquilo que foi perdido em Adão, por sua desobediência (sob instigação demoníaca). O Novo Testamento tem coisas importantes a dizer sobre a centralidade da obediência de Cristo, coisa nem sempre ressaltada nos debates sobre a redenção.
C1. Embora faça uso das Escrituras, a teoria anselmiana, por se dirigir à instrução de cristãos que debateriam com judeus e muçulmanos, faz uso de uma premissa metodológica arriscada: o argumento racionalista (sola ratione). Isso nos leva a um problema sério que vicia toda a lógica da teologia redentiva de Santo Anselmo no “Cur Deus Homo”: ele vê o pecado como uma transgressão da honra divina, já que ele precisaria de uma noção de pecado com a qual judeus e muçulmanos de boa vontade pudessem concordar. Esse entendimento limitado e superficial do pecado, que minimiza dimensões mais importantes (o pecado como corrupção mortal e escravidão espiritual), coloca o alvo na direção errada.
C2. Como todo o problema a ser solucionado é a transgressão da honra divina, a teoria de Anselmo não explica como o sangue de Cristo nos traz santidade (como em Hebreus). Se o pecado não é visualizado como corrupção, a conexão entre redenção e santificação é esquecida. Esse problema é herdado pela Substituição Penal.
C3. Com um enfoque na obediência de Cristo (o que é um mérito), Anselmo não foi capaz de explicar satisfatoriamente o motivo teológico de sua morte. Embora a obediência seja vista como coisa necessária à salvação, a lógica anselmiana realiza a salvação já no primeiro ato de obediência de Cristo. Assim como a Substituição Penal não é capaz de explicar por que um sofrimento mínimo já não seria satisfação penal suficiente, a teoria anselmiana não é capaz de explicar por que o primeiro ato de obediência de Cristo já não seria suficientemente meritório para cobrir todos os pecados dos homens, sem sua morte.
C4. Nessas teologias, o perdão e a reconciliação divinos deixam de ser gratuitos para Deus. São, de certo modo, gratuitos para quem os recebe, mas não para Deus. Isso impõe efetivamente uma limitação nos atos de Deus.