II Pedro contra o solifidianismo

Um texto muito belo, que nos mostra por que o amor é necessário à salvação além da fé, é 2 Pedro 1:5-11. Uma resposta comum, quando dizemos que sem santificação ninguém verá o Senhor, é a de que essa santidade acontece automaticamente para quem tem fé verdadeira. Esse texto mostra, incontestavelmente, que não é assim.

Depois de ensinar que somos chamados a participar da natureza divina sendo libertos das paixões (v. 4), o texto exorta (vv. 5-7):

☩ “e vós também, pondo nisto mesmo toda a diligência, acrescentai à vossa fé a virtude, e à virtude, a ciência, e à ciência, a temperança, e à temperança, a paciência, e à paciência, a piedade, e à piedade, a fraternidade, e à fraternidade, o amor.”

Ou seja, o texto lista sete “qualidades”, a maioria delas bem recorrente no vocabulário ético grego (gr. aretē, gnōsis, enkrateia, hypomonē, eusebeia, philadelphia, agapē), e ensina que elas devem ser acrescentadas à fé dos cristãos ouvintes/leitores da carta. Podemos imaginar, especialmente quando comparamos a textos semelhantes no Novo Testamento, que essa lista não seja exaustiva, mas sugestiva. Ainda assim, essas palavras dizem tanto que é difícil não ver nelas a totalidade do que se espera de um cristão, especialmente pela presença do amor.

Se essas virtudes são acrescentadas à fé, isso significa que elas (dentre as quais está o amor) não são inerentes à própria fé, mas devem ser acrescidas, supridas, adicionadas à fé. Quando entendemos o que cada uma delas significa, não é difícil perceber que elas (particularmente a enkrateia, temperança) são o percurso da vitória contra as paixões mencionada no v. 4.

O que acontece quando essas coisas são adicionadas à fé? O texto responde de duas maneiras. Primeiro diz o seguinte (vv. 8-9):

☩ “Porque, se em vós houver e aumentarem estas coisas, não vos deixarão ociosos nem estéreis no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo. Pois aquele em quem não há estas coisas é cego, nada vendo ao longe, havendo-se esquecido da purificação dos seus antigos pecados.”

A expressão traduzida como estéreis é akarpous (nom. sg. akarpos), isto é, infrutíferos (karpos é fruto). O “infrutífero” é o símbolo bíblico do condenado, daquela árvore na qual o Senhor “espera” encontrar frutos, daquele ramo que está na Videira (Cristo) mas não dá o resultado esperado (Mt 21:19; Lc 3:9; 13:6-9; Jo 15:1-6; Jd 12). Ou seja, uma pessoa com fé, mas sem essas outras virtudes, é ou corre o risco de ser infrutífera.

O texto segue ensinando, agora respondendo de outra forma (vv. 10-11):

☩ “Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis. Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no Reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.”

Não somente com fé, mas com todas as outras qualidades, “vos será amplamente concedida entrada” no Reino de Deus. A fé despida dessas virtudes não é suficiente para a entrada Reino de Deus. Que essas pessoas infrutíferas têm uma fé verdadeira, e não fingida, o texto confirma no v. 9, citado acima, ao dizer que as pessoas que têm fé e não buscam essas virtudes se esqueceram “da purificação dos seus antigos pecados”. Se a fé fosse falsa, não haveria purificação nenhuma.

Ou seja, num texto só, temos cinco verdades importantes:

• (1) que é possível ter fé e não ter essas virtudes, então elas não são automáticas;

• (2) que, havendo somente a fé, sem o acréscimo de outras virtudes, somos infrutíferos;

• (3) que o acréscimo dessas virtudes se dá através de esforço pessoal;

• (4) que pessoas que foram purificadas dos seus pecados podem cair nessa situação desgraçada;

• (5) que é através da aquisição dessas virtudes que se nos é dada a entrada no reino de Deus, e não somente pela fé.

Rev. Gyordano M. Brasilino