Oração Profética, Oração Mística

Entender a oração envolve duas dimensões fundamentais: uma é a dimensão profética, a outra é a dimensão mística.

A dimensão profética é aquela do clamor: o socorro implorado ao Soberano Eterno, a justiça reivindicada perante o Juiz Divino, a misericórdia suplicada ao Pai Celestial. Entramos com humildade e com ousadia perante o Trono Altíssimo, em busca do combate espiritual contra os males do mundo, particularmente aqueles que afetam a nossa própria alma e a vida das pessoas a quem amamos. Orar é buscar a compaixão divina e pelo milagre na terra.

A segunda dimensão, a dimensão mística, é a elevação do coração a Deus. É a dimensão da comunhão espiritual, e da nossa própria transformação e transfiguração nesse processo. É o encontro da alma com Deus e a consequente elevação dessa alma, que está sedenta de Deus. É subir os degraus da escada de Jacó para lá habitar, no único lugar da satisfação definitiva. Orar é buscar a reordenação do coração, dos afetos, do espírito.

A primeira dimensão é a da invocação, é pedir que Deus venha à nossa realidade, é dizer (Sl 70:1): “Praza-te, ó Deus, em livrar-me; dá-te pressa, ó Senhor, em socorrer-me.” A segunda é a da ascensão, é entrar em Deus, é dizer (Sl 42:1): “Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma.” A primeira dimensão olhar para o futuro que Deus cria; a segunda olha para cima, onde Deus está.

Essas não são duas formas de orar, mas duas dimensões simultâneas da oração. Embora um lado possa ser mais ressaltado numa situação — pois somos criatura temporais, nossa atenção e nossas palavras ressaltam lados diferentes em momentos diferentes —, a realidade é que esses dois lados estão sempre presentes na oração como a conhecemos, pois sempre invocamos e ascendemos.

Essa dualidade se deve particularmente à nossa condição, como finitos, como pecadores e como sofredores, ansiando por sermos “absorvidos pela vida”. Como podemos, aliás, invocar a Deus sem sermos transformados, e como podemos ser transformados sem que, no processo, percebamos ainda mais agudamente as necessidades do mundo e nossas próprias debilidades, ainda que agora com uma nova mente? Invocação e ascensão andam juntas.

A imagem do Lugar Santíssimo no Santuário une esses dois lados. O sacerdote, ao entrar nesse lugar, veste o linho dos anjos e contempla o trono de Deus, ele é “ritualmente transformado” mas o faz justamente no momento em que busca a misericórdia divina pela nação. Interceder, nesse processo, é ter comunhão com o coração de Deus e, por isso, tornar-se instrumento profético da causalidade divina, concordando intimamente com o Alfa e o Ômega.

Rev. Gyordano M. Brasilino

Como orar os Salmos?

Se Deus nos deu um livro de orações canônico, os Salmos, é porque ele quer que façamos uso dele. Na verdade, desde o princípio e ao longo dos séculos os cristãos sempre usaram os salmos, enriquecendo sua vida de oração em geral.

De certo modo, a resposta é: simplesmente leia (ou recite) os salmos com fé e esperança. A oração dos Salmos não deve ser um grande desafio na vida pessoal e particular, ou também comunitária, então as orientações dadas aqui são maneiras de melhorar a leitura. No fundo, você já sabe como fazer.

O corpo: Você pode orar os salmos de várias maneiras, mas uma particularmente apropriada é de pé, com o livro em mãos. Você também pode fazê-lo de joelhos (como vários salmos convocam a fazer). Com o tempo, você vai notar a diferença que faz a posição do corpo. Pessoas desacostumadas a orar de olhos abertos, geralmente pelo hábito de se limitar à oração extemporânea (“espontânea”), encontrarão algum desafio, mas o novo hábito vence, no médio prazo.

A voz: Ore os Salmos em voz alta. Usar a sua voz é uma maneira de concentrar a atenção, e de louvor a Deus com o corpo. Não se apresse demais, “deguste” cada verso, cada sentença. (Os versos dos salmos geralmente são divididos em duas partes paralelas.) E lembre-se: seja reverente, mas mostre vigor. Os salmos são cânticos de guerra.

A história: Cada salmo tem sua história, seu processo de formação, mas colocá-los em uma coleção, dentro do cânon, é dar forma a uma nova obra. Os salmos são a história de um povo em oração. São peregrinos em busca (e com saudade) da Cidade Santa, com espírito sedento pela presença divina e pelos tabernáculos do Senhor. São soldados e generais em guerra, procurando a proteção do Senhor contra os seus inimigos. São pecadores afligidos e contritos, penitentes. São adoradores manifestando louvor alegre e convocando toda a criação, na terra e nos céus, a adorar o Senhor. É um povo sofredor com a esperança do reino universal de Deus sobre todos os povos. Ao orar os salmos, nós nos colocamos como parte dessa história. Esteja consciente disso.

O espírito: os salmos devem ser orados com espírito de devoção e fé, não de estudo. É possível estudar os salmos, é importante fazê-lo, mas orar os salmos não é ficar procurando detalhes para satisfazer a curiosidade intelectual, mas encontrar neles aquilo que enriquece a nossa fé. Deixe o estudo dos salmos para um outro momento.

A contrição: Os salmos penitenciais são os salmos 6, 32, 38, 51, 102, 130 e 143. Esses sete salmos são particularmente importantes para confessarmos ao Senhor os nossos pecados. Quando algo que você fez lhe pesar à consciência, recite esses salmos (agora de joelhos), pedindo perdão ao Senhor. Como sempre pecados, esses salmos devem ser nossos companheiros de caminhada.

Há outros blocos que seria importante conhecer e usar em conjunto, como os salmos de entronização (especialmente 95-100) e o Halel (113 a 118), que são ótimos para adoração.

A apropriação: Como dito acima, nós somos parte dessa história que os salmos contam. Assim como Pedro em Atos 4:24-30, aproprie-se das palavras dos salmos nas suas próprias orações. O sentimento deve ser: o Deus dos salmos é o mesmo Deus que nós adoramos. Um exemplo de como fazer isso diz respeito à nossa batalha espiritual. Os salmos foram, vários deles, escritos em situação de guerra ou conflito com os inimigos. Mas, como aprendemos no Novo Testamento (Ef 6), nossos inimigos são espirituais, são os poderes das trevas, e é principalmente contra eles que devemos direcionar as armas dos Salmos. Essa batalha é mais óbvia no Salmo 91, mas os “salmos imprecatórios” devem ser usados assim também. Pense, por exemplo, nas palavras do Salmo 35:1-5, que, particularmente, me trazem bastante conforto. O Salmo 5 é uma bela oração matutina que pode ser empregada assim. Assim como os nossos maiores inimigos são espirituais, nosso maior aliado é Cristo, que ora conosco nessa batalha.

As aspirações: Versos isolados dos salmos são muito apropriados como orações breves, chamadas “aspirações”, que podem ser usadas ao longo do dia repetidas vezes, ou em momentos específicos, como no começo de alguma oração, antes da leitura da Bíblia etc. Alguns exemplos comuns:

  • “As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, Senhor , rocha minha e redentor meu!” (19:14)
  • “Salva o teu povo e abençoa a tua herança; apascenta-o e exalta-o para sempre.” (28:9)
  • “Praza-te, Senhor, em livrar-me; dá-te pressa, ó Senhor, em socorrer-me.” (40:13)
  • “Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem e me levem ao teu santo monte, e aos teus tabernáculos.” (43:3)
  • “Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável.” (51:10)
  • “Abre, Senhor, os meus lábios, e a minha boca manifestará os teus louvores.” (51:15)
  • “Sê exaltado, ó Deus, acima dos céus; e em toda a terra esplenda a tua glória.” (57:5)
  • “Mostra-nos, Senhor, a tua misericórdia, e concede-nos a tua salvação.” (85:7)
  • “Abre tu os meus olhos, para que veja as maravilhas da tua lei.” (119:18)

• A frequência: Use ao menos um salmo por dia, no começo. Depois que o hábito estiver firme, dois salmos (um pela manhã e outro à noite). Você pode usar o Salmo 95:1-7 (seguido do Salmo 96:9,13) pela manhã e o Salmo 141 à tarde/noite.

A constância: Use os salmos em todas as situações, mesmo quando nossos sentimentos não estão no lugar. Vários Salmos foram escritos em momento de intensa angústia (como o Salmo 88), mas eles são orações, ainda assim, e mostram como a oração deve ser feita mesmo quando não estamos em paz.

A conclusão: Costumamos terminar as orações dizendo apenas “Amém”, mas uma maneira de terminar os salmos é com alguma doxologia breve (como o “Glória ao Pai”). Uma forma fácil é, após finalizar o salmo, repetir algum verso que chame mais à sua atenção ou seja mais coerente com a sua situação. Aliás, os cinco blocos de salmos bíblicos são separados por quatro transições que são doxologias, e que podem ser usadas (de memória) quando concluímos algum salmo: Sl 41:13; 72:19; 89:52; 106:48. Depois, como sempre: Amém!

• A memorização: Todo cristão deveria conhecer alguns salmos de memória. Alguns salmos que seria interessante considerar memorizar: 23 (segurança), 24, 42-43, 46, 67, 91 (batalha espiritual), 95, 100, 113, 116 (gratidão), 130 (penitência).

• O compromisso: Os salmos apresentam uma forma de oração que não é natural para muitos cristãos, os “atos de fé”, “atos de confiança” e outros, orações geralmente breves nas quais, em vez de apenas pedir algo a Deus, nós nos posicionamos diante dele e afirmamos a nossa fé, nossa esperança, nosso amor, nossa devoção, nosso compromisso e outras coisas. Esse tipo de atitude exigirá, em algumas situações, certa ousadia, mas também serão uma forma de avivar nossa fé e reafirmar nossa lealdade ao Senhor, portanto são uma forma importante de adoração. Alguns exemplos:

  • “No tocante a mim, confio na tua graça;” (13:5a)
  • “Eu te amo, ó Senhor , força minha.” (18:1)
  • “Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do Senhor para todo o sempre.” (23:6)
  • Eu creio que verei a bondade do Senhor na terra dos viventes.” (27:13)
  • Aguardo o Senhor , a minha alma o aguarda; eu espero na sua palavra.” (130:5)

• A defesa: Os Salmos não são apenas deprecação, mas também defesa. Neles, não apenas afirmamos nossa culpa, mas também nossa inocência (“Lavo as minhas mãos na inocência”, 26:6), e, com isso, pedimos que Deus faça justiça diante da nossa situação (“Faze-me justiça, ó Deus”, 43:1). Essa ousadia é necessária numa vida espiritual equilibrada.

Experimente orar os salmos. Encontre nele uma história que, passando por montes e por vales, encontra ao fim sempre motivo de gratidão e para um cântico novo, um motivo para dizer: Aleluia!

Rev. Gyordano M. Brasilino