Aniquilacionismo?

Dentre as interpretações já levantadas para a escatologia e particularmente para a condenação eterna, uma que eu nunca levei a sério é a doutrina da aniquilação, que entende o castigo como sendo o da destruição, da completa inexistência. Até entendo as razões que as pessoas têm para chegar a essa posição, que me parecem ter mais a ver com repulsa pelo “tradicionalismo” e pelo universalismo, mas ideia de que uma pessoa possa deixar de existir, que qualquer pessoa possa deixar de existir, me causa uma aversão visceral.

O mérito que essa doutrina tem é o de afirmar nitidamente que Deus porá um fim definitivo ao mal, mas isso também se encontra no universalismo e nas melhores expressões da doutrina “tradicionalista”. Falando racionalmente, há três problemas que o aniquilacionismo, qualquer que seja a versão, me parece não resolver bem ou de maneira nenhuma:

1. O problema da ressurreição. Essa ideia torna a ressurreição da condenação supérflua. Eles retomam o corpo para terem o corpo (agora juntamente com a alma) destruído. Não há um sentido possível nisso.

2. O problema da justiça. No fim das contas, os condenados terão a exatamente mesma punição: a destruição, a de-sistência. Um aniquilacionista pode alegar que eles sofrerão por algum tempo antes disso, na proporção dos seus pecados, mas isso só quer dizer que, embora eles tenham exatamente o mesmo castigo eterno, terão um castigo temporal diferente. Ademais, diferentemente da doutrina “tradicionalista” (e também do universalismo), o bem feito em vida pelos condenados não terá nenhum efeito eterno, mas apenas temporal (diminuindo seu sofrimento pré-aniquilação), enquanto seu mal terá um efeito eterno.

3. O problema da tradição. A doutrina da aniquilação não tem espaço na tradição cristã histórica. Às vezes os defensores da doutrina da aniquilação apelam a textos mal explicados de duas ou três figuras antigas periféricas, mas fazem com elas o mesmo que fazem com a Bíblia, isto é, a dedução do tipo “falou de destruição, logo aniquilacionismo”, como se os tradicionalistas e universalistas históricos também não falassem de destruição (mas interpretando “katargein” como “anular, “suprimir”, “neutralizar”, “desoperar”).

Rev. Gyordano M. Brasilino

Deus é o Pai de todos


Há uma regra, surpreendente e lamentável, segundo a qual o erro é sempre mais facilmente pronunciado de que a verdade. Pense-se, por exemplo, em como a heresia ariana é mais fácil que o dogma Trinitário, a doutrina de Pelágio é mais fácil que a sua condenação, ou como o apolinarismo é que mais facilmente pregado que a doutrina de Éfeso.

O erro é fácil. A verdade é mais difícil.

O erro se reveste de palavras mais simples e adere mais simplesmente a uma dada verdade, à exclusão de outras verdade igualmente importantes. É por isso que o erro conquista tão facilmente os incautos, porque eles parecem entendê-lo melhor. O triunfo da verdade total não está na capacidade de chegar mais facilmente a um enunciado preciso e rápido. Ela é paciente o suficiente para abranger tudo, é paciente para suportar a demora, sem deixar de fora nada daquilo que o erro esconde.

É assim com o caso da paternidade universal de Deus. Eu tenho bastante repulsa à linguagem sectária que é corrente no mundo evangélico, especialmente entre os que conhecem menos as Escrituras. Dizem que somente os “crentes” são filhos de Deus.

A reação, sempre que falo sobre isso, é a mesma: citam dois ou três versículos da Bíblia que parecem ensinar que somente algumas pessoas são filhas de Deus, ignorando por completo todos os demais, mais numerosos e bastante diretos, que ensinam ou dão a entender o inverso.

Afinal, Deus é não é o “Pai dos espíritos” (Hb 12:9)? Não é o “Pai de todos” (Ef 4:6), uma expressão corrente no mundo grego-romano e judaico da época para indicar essa paternidade universal? Não é dele que toma nome toda linhagem nos céus e na terra (Ef 3:15)? Não somos todos “geração de Deus“, como disse o Paulo lucano citando um autor pagão (At 17:28-29)? Não era Adão, nosso progenitor segundo a história sagrada, filho de Deus (Lc 3:38)? Não é Deus “pai de órfãos” (Sl 68:5)? Cristo falou a multidões inteiras, de pessoas de condições espirituais diferentes (e que ele conhecia), sobre o “vosso Pai celestial”.

As pessoas não entendem bem as declarações, presentes nos corpus paulino e joanino, que limitam a filiação divina. Se essas declarações são tomadas de maneira literal e unilateral, as pessoas para quem Cristo pregava não seriam filhas de Deus, pois, segundo Paulo, filho de Deus é quem tem o “Espírito Santo” (Rm 8:14-17; Gl 4:5-7), e elas não o tinham ainda. (Não devemos exagerar aqui a leitura do texto paulino com as premissas, verdadeiras mas anacrônicas, de Constantinopla e Agostinho. O “Espírito” ou “espírito” em suas cartas pode significar desde uma mentalidade divina até o próprio Deus.) As pessoas sob da antiga aliança (que não era ainda o ministério do Espírito) não poderiam ser filhas de Deus.

Na verdade, esse tipo de confusão é o resultado de ler as Escrituras sem sensibilidade literária, sem atenção a ironias e sarcasmos, a paradoxos e exortações, a antíteses hiperbólicas, como se tudo fosse declaração doutrinal unívoca.

Ocorre que, como sabe qualquer pessoa minimamente instruída em teologia, nossa linguagem doutrinal é analógica: quando dizemos que somos filhos de Deus, isso não tem exatamente o mesmo sentido com que dizemos que Jesus é filho de Maria, ou com que eu sou filho dos meus pais. Dizemos que somos filhos de Deus por semelhança: há uma relação real entre nós e Deus, e a essa relação damos o nome de “filiação” por semelhança para com a relação com que um filho humano tem para com o seu pai.

Mas onde há semelhanças, há diferenças, e essas diferenças podem ser maiores ou menores, e portanto essa filiação comporta graus de semelhança, em “saltos qualitativos”. É por isso que, tendo já falado e continuando a falar várias vezes sobre “vosso Pai” (Mt 5:16,48 etc.), Cristo nos desafia: para que sejamos filhos do nosso Pai — ele já é nosso Pai, mas nós precisamos nos tornar seus filhos! —, precisamos ser misericordiosos como ele (Mt 5:44-45). Esse não é o único momento em que a filiação é relativizada, Cristo também o faz com os “filhos de Abraão”, que, segundo ele, não são filhos de Abraão.

Ou seja, todos são filhos de Deus, mas alguns vivem como filhos de fato, e outros vivem como escravos, destituídos da filiação que é sua. Quem o diz não sou eu, mas o próprio Paulo:

“Digo, pois, que, durante o tempo em que o herdeiro é menor, em nada difere de escravo, posto que é ele senhor de tudo. Mas está sob tutores e curadores até ao tempo predeterminado pelo pai. Assim, também nós, quando éramos menores, estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do mundo; vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos.”

Gálatas 4:1-5

Assim, tornar-se filho de Deus não é tornar-se o que não se é, mas assumir uma identidade que é universal, porque a paternidade de Deus é universal.

Rev. Gyordano Montenegro Brasilino

Sobre a obrigação moral de contar piadas

A religião cristã é conhecida por muitas coisas, mas não por ser uma grande incentivadora histórica do humor. As posições cristãs mais influentes costumam ser caracterizadas entre a moderação pessimista e a rejeição quase total da risada. A tradição de livretos místicos e manuais ascéticos tem muitas palavras a dizer contra a gargalhada. Somente uma pessoa obstinada em caracterizar o cristianismo como inimigo da vida e do prazer, como obcecado com a dor e a agonia, não perceberá que há muita sabedoria nessas posturas. São Tomás de Aquino escreveu que “uma tristeza imoderada é doença da alma, porém uma tristeza moderada pertence à boa condição da alma, segundo o estado da vida presente.” (ST I-II q59 a3 ad3).

Isso não significa que devamos estar sempre tristes, mas que há algo de saudável em alguma tristeza que nos leve a pensar a vida mais seriamente, e que emerja de uma consideração atenta para com os sofrimentos de outras pessoas e nossas próprias debilidades. Afinal, “converta-se o vosso riso em pranto” (Tg 4:9) não é uma exortação que os pecadores devam negligenciar. Mas essa tristeza moderada não é alcançada sem consolações que nos ajudem a evitar a tristeza imoderada, que são também coerentes com a jocosidade moderada que nossa saúde também exige. Dentre essas consolações está o riso.

No Auto da Compadecida, lá pelas tantas do julgamento das almas, enquanto o Encourado (o diabo) brigava com o sacristão, João Grilo interrompe, contribuindo com a acusação, e é repreendido por Manuel (Cristo). O diálogo segue assim, com Cristo comparando o sacristão ao diabo:

Manuel
Deixe a acusação para o colega dele.

Sacristão
Colega?

Manuel
É brincadeira minha, mas, depois que João chamou minha atenção, notei que o diabo tem mesmo um jeito assim de sacristão.

Encourado
Protesto contra essas brincadeiras! Aqui é um lugar sério.

Manuel
Calma, rapaz, você não está no inferno. Lá, sim, é um lugar sério. Aqui pode-se brincar. Acuse o sacristão.

Numa feliz inversão, o diabo é o puritano da história, enquanto Cristo é o bem-humorado, totalmente no controle da situações, escarnecendo do diabo. “O Senhor zomba deles” (Sl 2:4). Discutindo sobre a modéstia, o mesmo São Tomás escreveu (ST II-II q168 a2):

“Assim como o homem necessita de repouso corporal para o reabastecimento do corpo, que não pode trabalhar continuamente, devido à sua força finita, que é ordenada a tarefas determinadas; assim também quanto à alma, cuja força também é finita e ordenada a operações determinadas; e assim, quando se estende além de seus limites em algumas operações, ele trabalha e, por isso, se fatiga, especialmente porque nas operações da alma o corpo também trabalha, na medida em que a alma, ainda que intelectual, utiliza-se de forças que operam através dos órgãos corporais. No entanto, os bens sensíveis são conaturais ao homem. Portanto, quando a alma se eleva acima dos objetos sensíveis, se dedicando às obras da razão, surge daí uma certa fadiga psíquica, quer o homem se dedique às obras da razão prática, quer da especulativa. No entanto, a fadiga é maior se ele se dedicar às obras de contemplação, pois assim se eleva mais acima dos sensíveis, embora possa ser que em algumas obras exteriores da razão prática haja mais trabalho corporal. Em ambos os casos, no entanto, alguém se fatiga mais psiquicamente quanto mais se dedica às obras da razão. Assim como a fadiga corporal é aliviada pelo repouso do corpo, assim também a fadiga psíquica deve ser aliviada pelo repouso da alma. O repouso da alma, porém, é o deleite, como já foi mencionado quando se tratou das paixões. Portanto, é necessário aplicar um remédio contra a fadiga psíquica por meio de algum deleite, interrompida a intenção de se dedicar ao estudo da razão. Assim como, na colação dos Pais, é lido que o bendito evangelista João, quando alguns se escandalizaram ao encontrá-lo brincando com seus discípulos, mandou um deles, que estava com um arco, atirar uma flecha. Quando ele fez isso várias vezes, perguntaram-lhe se poderia fazer isso continuamente, ao que ele respondeu que, se o fizesse continuamente, o arco se quebraria. Então, o bem-aventurado João sugeriu que da mesma forma a mente humana se quebraria se nunca relaxasse de sua intenção. Tais ditos ou feitos, nos quais apenas o deleite psíquico é procurado, são chamados de lúdicos ou jocosos. Portanto, é necessário recorrer a essas coisas às vezes, como que para uma certa tranquilidade da alma. E é isso que o filósofo diz, na Ética a Nicômaco, Livro IV, que nesta vida, há momentos de descanso misturados com brincadeiras, e por isso é necessário recorrer a essas coisas de vez em quando.”

Há nessas palavras uma sanidade que reconhece as condições presentes da existência humana e sua corporeidade. É com base nisso que São Tomás conclui que a atividade de jogar pode ser virtuosa, que evitaria uma diversão imoderada. Devemos nos lembrar aqui do Salmo 126, em que o riso do povo de Deus é a reação à libertação divina. Mais adiante, discutindo se a atividade dos comediantes seria má, ele respondeu (a3 ad3):

O entretenimento [ludus] é necessário para a convivência na vida humana. No entanto, para todas as coisas que são úteis para a convivência humana, certos ofícios lícitos podem ser designados. Portanto, até mesmo o ofício dos atores, que é ordenado a proporcionar divertimento [solatium] às pessoas, não é ilícito em si mesmo, nem estão em estado de pecado, desde que usem o entretenimento moderadamente, ou seja, sem usar palavras ou ações ilícitas no entretenimento, e não empregando o entretenimento em negócios e momentos impróprios.”

Por fim, dentro da mesma questão, ele ainda escreveu (a4 co):

“Tudo o que vai contra a razão nos assuntos humanos é vicioso. E é contra a razão que alguém se apresente como um fardo para os outros, por exemplo, quando não oferece nada agradável e até mesmo impede o prazer dos outros… Por outro lado, aqueles que falham no entretenimento [in ludo], nem dizem nada engraçado [ridiculum], também são vistos como irritantes, porque, de fato, não toleram o entretenimento moderado dos outros. Portanto, tais pessoas são viciosas e são chamadas de rudes e ásperas, como o filósofo diz no Livro IV da Ética a Nicômaco.”

Eis a obrigação moral de contar piadas e de fazer os outros rirem. Nunca diz nada que alivie os outros? É vicioso. O riso não é só parte da vida humana, mas é parte da vida comunitária, da maneira como ajudamos outras pessoas a aliviar o seu cansaço, o seu peso. Fazer rir, de maneira virtuosa, é uma pequenina obra de misericórdia contra o fardo da vida. Se é verdade que Cristo repreendeu “vós que agora rides” (Lc 6:25), falando dos poderosos, não deixou de prometer também aos que choram um riso escatológico: “haveis de rir” (Lc 6:21). O riso é escatológico. É a alegria no fim da história, uma alegria que muda tudo. Quem sabe não seja o riso hoje, o riso santo, um pequeno sinal da alegria eterna, do repouso de todas as nossas dores? Quem sabe o Senhor não nos conceda a graça de rir do diabo?

Rev. Gyordano Montenegro Brasilino

Por que o iconoclasmo é heresia cristológica?

Para quem não tenha estudado a questão, pode parecer que não haja relação entre proibir imagens de Cristo e professar uma heresia contra Cristo.

Mas há uma razão tripla:

(1) A coinerência entre Cristo e Deus Pai. Cristo disse: “Quem vê a mim, vê o Pai”. O Filho é o ícone perfeito do Pai. Sem que eles deixem de ser duas pessoas divinas distintas, o Pai está no Filho e o Filho está no Pai. Não é possível ver o Filho sem ver o Pai.

(2) A unidade das duas naturezas de Cristo. Sem que haja mistura ou separação, sem que as propriedades de cada natureza seja mudada, as duas naturezas estão unidas de modo perfeito e inseparável, de forma que o Senhor da glória nasça de Maria e seja morto no Gólgota. Quem olhava para Cristo via a sua Pessoa Divina. Assim como o ferro, aquecido pelo fogo, se torna incandescente sem deixar de ser ferro, a divindade, ao habitar corporalmente em Cristo, manifestava o seu resplendor.

(3) A unidade entre Cristo e o seu corpo. “Quem se une ao Senhor é um só espírito com ele”. Isso tem um nível místico, acessível apenas aos perfeitos, mas tem um nível inicial: quem é batizado em Cristo está revestido de Cristo, é corpo de Cristo, de forma que escandalizar um membro de Cristo é pecar contra Cristo, perseguir um membro de Cristo é perseguir o próprio Cristo. Quando aos mais santos, eles são “transformados de glória em glória” para refletirem a imagem de Cristo de modo particular. Eles são imagens vivas de Cristo.

Negar qualquer uma dessas coisas é incorrer em uma heresia cristológica.

Isso significa que a única maneira de proibir imagens de Cristo é proibir imagens de todos os cristãos — coisa materialmente impossível —, já que eles são, em graus diferentes, imagens do Senhor. Se os cristãos podem ser e são representados, Cristo é representado, portanto Verbo divino é representado, portanto o Pai é representado, a menos que se recorre ao velho engano do nestorianismo, separando as naturezas de Cristo.

Isso significa que, ao encarnar, Cristo tornou possível a representação da divindade em imagem.

Rev. Gyordano M. Brasilino

Mateus 5:26 trata do Purgatório?

Alguém me fez essa pergunta, e a intenção era saber não só se esse texto fala do purgatório, mas se ele corresponde à doutrina católica romana do purgatório. O contexto é o seguinte:

Mateus 5:21-26
²² Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão será réu de juízo, e qualquer que chamar a seu irmão de raca será réu do Sinédrio; e qualquer que lhe chamar de louco será réu do fogo do inferno.
²³ Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, ²⁴ deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem, e apresenta a tua oferta.
²⁵ Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão. ²⁶ Em verdade te digo que, de maneira nenhuma, sairás dali, enquanto não pagares o último ceitil.

Dentro do contexto, o versículo parece indicar um juízo divino e seu castigo. De fato, uma linguagem muito semelhante aparece na parábola do Credor Incompassivo, no mesmo evangelho. Ali se trata, certamente, do juízo divino, e a preocupação também é com respeito a reconciliação (cf. Mt 18:34-35). A doutrina subjacente a esses textos parece estar representada na petição do perdão, no Pai Nosso (“Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos os nossos devedores.“).

Esse castigo é temporário, não sem fim, pois há um “último ceitil”; um castigo que pode ser “pago” pelo criminoso, ainda que tome muito tempo. O contexto é a ameaça do “fogo do inferno”, ou “inferno de fogo” (gr. hē geenna tou pyros). O texto parece corresponder à crença judaica, testemunhada no Talmude, de que algumas pessoas lançadas no Gehinnom escapariam, após purificadas.

Então o texto mostraria, sim, uma noção de purgatório, mas seria um salto concluir que se trata exatamente do purgatório como depois representado no dogma e na prática católicas romanas (afinal, a linguagem de Mt 5:26, prima facie, não comporta confortavelmente a ideia das indulgências). Há uma semelhança maior com a linguagem oriental que vê a possibilidade de que ao menos alguns dos condenados ao Inferno possam escapar. (Essa linguagem, embora típica dos orientais, não está de todo eliminada da tradição ocidental. Mesmo os apêndices da Suma Teológica tratam o Inferno e o Purgatório como se dando no mesmo lugar.)

A linguagem do texto gera um problema considerável para quem imagina a obra expiatória de Cristo como um pagamento pelos pecados das pessoas (em termos de direito criminal), em vez de uma alforria dos escravizados do diabo (em termos de direito civil). De fato, essa linguagem de que Cristo tenha pago pelos pecados das pessoas deve ser inteiramente abandonada, porque só gera problemas e, em conjunto com Mt 5:26, leva à conclusão da ineficácia da obra de Cristo, o que seria uma blasfêmia.

Rev. Gyordano M. Brasilino

A Espada do Éden

“Querubins e a Espada Flamejante,” J. Kirk Richards

O livro do Gênesis conta que, quando Adão e Eva foram expulsos do Éden, foi colocada uma espada gloriosa, juntamente com querubins, para proteger o caminho da entrada (oriente) até a Árvore da Vida.

Alguém perguntou o que significa essa espada, na leitura alegórica.

Diversos símbolos têm uma natureza dual. Dois dos mais comuns são o fogo e a água. Ambos significam morte e vida, mas de maneiras inversas. O sentido dominante da água é realmente vida (bebida, irrigação, limpeza, renovação), mas ela pode facilmente significar também morte e destruição (a enchente, a correnteza indomável, o dilúvio, os monstros marinhos). A água se torna o seu contrário quando se torna um excesso incontrolável, então ela é um símbolo da lei natural, da temperança, da moderação.

O fogo, por outro lado, tem o sentido básico de destruição: ele sobrevive queimando, sua força vem do ato de consumir, e sua fome nunca acaba. A aparência do fogo imita a sinuosidade da serpente. Mas ela também o faz gerando calor e luz, repelindo inimigos noturnos, cauterizando feridas, moldando instrumentos. Então é um símbolo do perigoso e invencível que, no entanto, pode ser dominado. A água está conosco desde sempre (pense nos rios que saem do Éden), ela está em nós, mas o fogo é uma descoberta, uma novidade. Ela é, por isso, um símbolo da cultura, da inventividade, da transformação, com todos os problemas atrelados.

A espada é um símbolo aparentado do fogo. A espada foi criada para ferir e, portanto, para matar, mas justamente por isso ela pode ser invertida e ser usada para proteger. A melhor espada é a que nunca é usada. Então ela compartilha com o fogo a dualidade morte-vida (o inverso da água).

A espada do jardim é uma espada flamejante (lāhaṭ haḥereḇ). Ao menos assim é que a expressão é entendida na Septuaginta (phloginē romphaia, “espada longa flamejante”) e pela Vulgata (flammeus gladius, “gládio flamejante”). A palavra “lāhaṭ” também é entendida, em Êx 7:11, como “encantamento”. Os querubins também são apresentados, em outras partes da Bíblia (particularmente em Ezequiel), como seres flamejantes.

Fílon viu no sol e nos querubins um simbolismo astronômico (“a espada flamejante é simbolo do Sol”, Dos Querubins 26), mas ao mesmo tempo o Logos (“a espada flamejante é símbolo do Logos“, Dos Querubins 28), que foi concebido antes de tudo e está em tudo. Essa ligação Sol-Logos é muito conveniente à imagem bíblica da Palavra divina como luz para o Caminho, já que a espada está no Caminho para guardá-lo.

Em continuidade com o que São Paulo ensina na Segunda Carta aos Coríntios, devemos ver na Palavra como a temos hoje — que Fílon não tinha, mas antevia —, esse simbolismo do fogo: ela primeiro destrói e consome (a Antiga Aliança), para então proteger e vivificar (a Nova Aliança). Enquanto o povo de Israel da Antiga Aliança assume sua identidade ao atravessar o Rio (o Vermelho ou o Jordão), o evento inaugural da Igreja (continuamente chamada de “Caminho” nos Atos dos Apóstolos), da nova realidade comunitária, é o fogo do Pentecostes.

O fogo e o cutelo (Gn 22:6) aparecem juntos também no holocausto de Isaque, que prenuncia o de Cristo. São instrumentos de sacrifício.

O propósito da espada é guardar (šāmar) o caminho do Éden, uma missão originalmente dada a Adão (Gn 2:15). Ela consistia no duplo dever sacerdotal de lavrar (ʿāḇaḏ) e guardar (šāmar). Quando, no entanto, o casal é expulso do jardim, eles são levados a lavrar (ʿāḇaḏ, 3:23) a terra comum da qual foram criados, enquanto cabe agora à espada, juntamente com os querubins, guardar (šāmar). O pecado leva a um rompimento, a uma dualidade, a um “corte” na missão de Adão, que perde o seu caráter sagrado pleno. O trabalho de lavrar estava, originalmente, inserido no lugar sagrado, no centro do mundo, mas agora ele é lançado no Oriente. Adão perdeu a dotação sobrenatural de que havia sido coroado, e ela agora está com a espada.

A espada do Éden tem, portanto, vários sentidos. Ela significa, acima de tudo, Cristo, o Logos, que é luz para o Caminho, que inaugura o “novo e vivo caminho”, no qual podemos nos alimentar da Árvore da Vida (Eucaristia), rodeada de querubins (sacerdotes).

Ele é o Novo Abraão, o Novo Isaque, que se oferece em sacrifício e nos dirige ao banquete. Cristo é o Novo Adão, que cumpre agora a missão hierática perdida pelo Primeiro Adão, na qual nós nos reencontramos com nós mesmos.

Mas a única maneira é deixa para trás o nosso campo da lavra, o mundo, o manifesto, e abraçar o invisível, o oculto, o imensamente perigoso, que não nos permite passar sem nos matar. Mas aí morte é vida. Quem quiser, pois, salvar a sua vida, a perderá. Mas quem perder a sua vida, esse a encontrará.

Rev. Gyordano M. Brasilino

Endogamia, Aristocracia e Cristianismo

Embora seja permitido pelo direito civil, ainda existe, no Brasil, um tabu em relação ao casamento entre primos, uma prática muito comum em outras épocas. Em algumas realidades, o casamento entre primos chega a ser visto como incestuoso. Em termos culturais, o tratamento dos casamentos consanguíneos revela muito dos valores e da estrutura de uma sociedade.

Tanto a endogamia quanto a sua proibição estão ligadas a diversos fatores, mas o certo é que o casamento entre primos é uma característica das aristocracias e oligarquias, uma nota do Antigo Regime. Não é só, como as pessoas costumam dizer, uma questão de heranças e terras, mas de tudo o que essas heranças e terras envolvem.

Juntamente com as relações de compadrio (que grassam nos antigos livros de registro de batizados), a endogamia é uma forma de preservar a coesão e unidade de famílias aristocráticas, particularmente rurais — em muitos ambientes agropastoris antigos, a endogamia é a única opção, ao passo que o ambiente urbano favorece a exogamia —, eliminando certas rivalidade possíveis e estabelecendo vínculos políticos, além de fortalecer a autoridade dos patriarcas e matriarcas, os “avós” inquestionáveis. A endogamia estreita o vínculo entre sangue, terra e poder, ao longo das gerações. Onde a endogamia prevalece, o casal não é só de “primos legítimos”, mas primos várias vezes, em linhas diferentes. As relações entre os parentes é uma teia muito difícil de acompanhar.

Isso significa, inclusive, que num ambiente onde a endogamia é preferida, os casamentos tenderão a ser arranjados pelos pais. O casamento “romântico” é muito mais exogâmico.

A endogamia tem consequências e sua ausência ou proibição também tem. Quando a Igreja resolveu, historicamente, reforçar as proibições à endogamia, isso trouxe efeitos sociais. A proibição não é só motivada em evitar males hereditários recessivos.

Os graus de parentesco proibidos ou impedidos para o matrimônio na Bíblia, nos capítulos 18 e 20 de Levítico, não incluem primos, sendo essa uma das razões por que o judaísmo sempre foi mais aberto à endogamia que o cristianismo. A endogamia favorecia inclusive a sobrevivência desse grupo religioso, quando hostilizado. Também os povos germânicos, que mudaram o panorama do cristianismo na Europa, praticavam endogamia.

A endogamia é centrípeta. A exogamia é centrífuga. Uma reforça o poder da família e o status quo, enquanto a outra dispersa esse poder e fomenta vínculos mais amplos e mutáveis. O patriarca ou a matriarca de um grupo de poder endogâmico encarna toda a autoridade do clã.

Isso significa que, quando a Igreja reforçou as proibições contra a endogamia, ela ajudou a corroer (mesmo sem total consciência) o poder aristocrático, dissolvendo lentamente certas “grandes famílias” e contribuindo para o surgimento da “família nuclear”. Com isso, preparou o surgimento da cultura do mundo moderno.

A endogamia corresponde ao amor natural preferencial pelos mais próximos. A exogamia corresponde à nova realidade trazida pela Igreja, que, sem eliminar a ordo amoris, vê a água como mais espessa que o sangue.

Rev. Gyordano M. Brasilino

Um artigo científico sobre o mesmo assunto: clique aqui.

Orações para o Natal

Aqui para vocês uma pequena lista de orações breves retiradas de vários lugares, principalmente do Livro de Oração Comum. Uma sugestão é usar algumas dessas orações diariamente, desde a véspera de Natal até o dia da Epifania (6 de janeiro). Ore pausadamente e com fé.

☩ Oração do Dia da Natividade do Senhor (Natal)
Deus Onipotente,
que nos deste teu unigênito Filho para que tomasse sobre si a nossa natureza,
e nascesse neste tempo de uma Virgem pura;
concede que nós, renascidos e feitos teus filhos por adoção e graça,
sejamos de dia em dia renovados por teu Santo Espírito;
mediante nosso Senhor Jesus Cristo.
Amém.

☩ Oração do Dia da Natividade do Senhor (Natal), II
Ó Deus, que criaste maravilhosamente,
e ainda mais maravilhosamente restauraste,
a dignidade da natureza humana;
concede que sejamos participantes da natureza divina do teu Filho Jesus Cristo,
assim como ele se humilhou para participar da nossa humanidade.
Amém.

☩ Pela Paz no Mundo
Ó Deus, nosso Pai, olha com misericórdia todos os teus filhos;
purifica os nossos corações de todo ódio, falsidade e preconceito;
e guia-nos pela tua sabedoria amorosa
de tal modo que a paz e a justiça se estabeleçam entre todos,
por Jesus Cristo, nosso Senhor.
Amém.

☩ Pela Alegria na Criação de Deus
Ó Pai Celestial, que encheste o mundo de beleza;
abre, nós te pedimos, os nossos olhos
para contemplar tua mão graciosa em todas as tuas obras,
para que, jubilando em tua criação inteira,
aprendamos a te servir com alegria
por aquele por quem todas as coisas foram feitas,
teu Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor.
Amém.

☩ Pelo Reino de Cristo
Deus todo-poderoso e eterno,
cuja vontade é restaurar todas as coisas em teu Filho amado,
o Rei dos reis e Senhor dos senhores;
misericordioso concede que todos os povos da terra,
agora divididos e escravizados pelo pecado,
sejam livres e reunidos sob o teu graciosíssimo governo.
Amém.

☩ Por Verdadeira Devoção
Concede-nos, ó Senhor,
não atentarmos para as coisas terrenas,
mas amarmos as eternas;
e, enquanto peregrinamos entre as coisas que passam,
nos apegarmos às que permanecerão,
por Jesus Cristo, nosso Senhor.
Amém.

☩ Chamado à Adoração Celestial     |   Salmos 148:1-2; 103:19-22
¹ Aleluia!
  Louvai ao Senhor do alto dos céus,
  louvai-o nas alturas.
² Louvai-o, todos os seus anjos;
  louvai-o, todas as suas legiões celestes.
¹⁹ Nos céus, estabeleceu o Senhor o seu trono,
  e o seu reino domina sobre tudo.
²⁰ Bendizei ao Senhor, todos os seus anjos,
  valorosos em poder, que executais as suas ordens
  e lhe obedeceis à palavra.
²¹ Bendizei ao Senhor, todos os seus exércitos,
  vós, ministros seus, que fazeis a sua vontade.
²² Bendizei ao Senhor, vós, todas as suas obras,
  em todos os lugares do seu domínio.
  Bendize, ó minha alma, ao Senhor.

A Apologética do Demônio

Uma das artimanhas mais antigas e constantes do diabo é lançar sutilmente incertezas e dúvidas para minar a fé dos filhos de Deus.

Se ele certamente maquina para nos fazer pensar que somos grandes demais, poderosos demais, ele também procura, por todos os meios, que nos imaginemos incapazes de fazer o aquilo que, sabemos perfeitamente bem, nós podemos, subestimando as nossas faculdades, duvidando dos nossos dons, suspeitando dos nossos sentidos, tudo para nos paralisar quando devemos agir — inclusive tomando a humildade por pretexto.

Existe uma abordagem “apologética” que eu já vi ser utilizada tanto por profissionais quanto por diletantes, por protestantes tentando convencer outros protestantes acerca da necessidade da Tradição, por católicos romanos procurando convencer evangélicos de coisas semelhantes, por escrituralistas e “cosmovisionários”: a artimanha de propor a dúvida, para vender certeza.

Nós gostamos de certezas, é claro. Pense em quantas pessoas se apegam a leituras empobrecidas dos textos bíblicos por lhes garantirem as promessas vãs e vulgares de “certeza da salvação” ou da “segurança eterna” ou coisa que valha.

A artimanha da dúvida está em nos fazer questionar a capacidade da razão, da sensibilidade, da intuição, do esforço, do talento. Dizem coisas como: se não for pela Tradição tal, a Escritura se torna incompreensível, ou excessivamente enigmática, além da nossa capacidade, além da nossa inteligência.

Ou qualquer outra bobagem condescendente e paternalista parecida.

São Tomás, como eu costumo lembrar, afirmava nossa capacidade de conhecer a verdade da Escritura por nossa própria leitura — o Credo (a síntese eclesiástica da Escritura) é necessário por conta do trabalho imenso que seria uma investigação pessoal tal. Não por algum tipo de obtusidade crônica que atacasse particularmente os cristãos.

Pensa-se assim: não somos capazes de entender nada, uma autoridade pensa por nós, estamos a salvo. A consequência mais grave da apologética do demônio — o ceticismo —, empregada por cristãos como arma contra outros cristãos, é semear no coração dos nossos semelhantes uma estrutura de pensamento incapacitante, que acaba por levar ao ateísmo ou ao cinismo, no momento em que a autoridade se mostrar inconfiável. É a troca do intelectualismo extático da Igreja pelo irracionalismo lânguido do século.

O Senhor nos recomenda a astúcia da serpente, mas não o seu veneno, e obviamente não contra os nossos irmãos. Quem tem o soro não pode garantir que não haverá sequelas.

Existe, é verdade, certa doçura infantil em repousar no juízo eclesiástico quanto a questões que estejam, no momento, além de nossa própria labuta. Sempre haverá questões assim. Muitos de nós terão de confiar no juízo do Senhor em repelir o divórcio, antes de poder entender como tal coisa se fundamenta.

Mas ela não representa, de maneira alguma, o telos da humanidade transformada. A auto-infantilização não é uma virtude: “sede meninos na malícia e adultos no entendimento” (1Co 14:20). Pode ser simplesmente uma forma de enterrar os talentos por medo da dureza do Senhor.

Ou só conversa para boi dormir.

Rev. Gyordano M. Brasilino

O que é ser um fariseu?

Há uns dias, eu vi alguém dizer que Cristo não condenou a doutrina dos fariseus, somente a sua hipocrisia. Bom, segundo o Evangelho de São Mateus, Cristo condenou “a doutrina dos fariseus” (Mt 16:12).

É claro que ele não condenou tudo no que os fariseus acreditavam — eles, assim como nós, acreditavam na ressurreição, acreditavam na vida eterna, acreditavam nas Escrituras Sagradas dos profetas. Mas havia algo em sua doutrina que melava tudo. O que nos detém aqui não é um retrato histórico detalhado dos fariseus, mas o seu retrato canônico.

Quando vemos o retrato dos fariseus nos evangelhos, há um traço em comum, condenado por Cristo: sua incapacidade de conectar, na doutrina, o amor a Deus ao amor ao próximo. Essa era uma das ênfases do ensinamento de Cristo, segundo o qual nossas ofertas a Deus só terão valor quando procurarmos o perdão do irmão (Mt 5:23-24).

Assim, em Mateus 9:11-13, os fariseus reprovam a atitude de Cristo de comer com pecadores, e Cristo apela para o dito profético: “Misericórdia quero, e não sacrifício”. Em outras palavras: o maior gesto de adoração a Deus é a misericórdia. Os fariseus sabiam, muito bem, que as esmolas eram como sacrifícios e tinham por recompensa o perdão divino, um ensinamento judaico onipresente no período do Segundo Templo e no rabinato posterior. Mas faltava reformar toda a sua prática religiosa à luz da verdade fundamental enunciada por Cristo.

Em Marcos 7, os fariseus reprovam os discípulos de Cristo por comerem com “mãos impuras”. Segundo Cristo, eles usavam o cumprimento de uma obrigação religiosa para com Deus (a oferta) para suprimir uma obrigação piedosa para com os pais (a honra), dispensando um mandamento menor (a honra aos pais) através de um mandamento maior (a adoração a Deus), mas somente porque sua tradição lhes ensinava assim. Segundo Cristo, eles faziam “outras coisas semelhantes” (v. 13). Por que Cristo dá justamente essa resposta, se o assunto era a pureza das mãos? Porque, mais uma vez, o assunto da pureza das mãos revelava a desconexão entre o amor a Deus e o amor ao próximo.

Em Mateus 23:23-24, Cristo os reprova por prestarem culto a Deus através das mínimas coisas — uma prova de sua meticulosidade, detalhamento, zelo —, mas esqueciam as mais importantes: “a justiça, a misericórdia e a fidelidade”.

Na famosa Parábola do Fariseu e do Publicano (Lc 18:9-14), o fariseu é retratado como alguém de religião eloquente, que faz uma oração que todos nós aprendemos a fazer, de um sabor espiritual agostiniano: dá graças a Deus por sua vida espiritual, pelo que tem, pelo que vive. Mas essas palavras vêm, desde o começo, misturadas com o veneno do julgamento: “não sou como os demais homens”. Seu culto a Deus consistia em desprezo à humanidade.

Assim como nós, os fariseus sabiam que os mandamentos não eram todos iguais, que alguns mandamentos eram mais importantes do que outros. Mas eles pensavam como se um mandamento maior pudesse ser motivo para derrogar o menor, como se o zelo extremo para com Deus pudesse justificar um desprezo para com o próximo. O farisaísmo é uma “heresia” sobre a hierarquia dos mandamentos de Deus.

Até hoje, o espírito farisaico sobrevive entre os cristãos.