Os Pais da Igreja provavelmente vão te decepcionar

Os Pais da Igreja serão uma decepção para qualquer pessoa que procure uma defesa irrestrita de alguma política moderna. A despeito das diferenças entre eles, as tendências deles simplesmente não se encaixam no que alguém esperaria hoje.

• Eles eram “antiproprietaristas”, no sentido de conceberem a propriedade privada e o enriquecimento como resultantes de convenções sociais e tendo, ao menos em parte, origem maligna. Além disso, havia, óbvio, a boa e velha crítica ao pecado da usura e prática abudante da misericórdia.

• Eles viam o trabalho como sofrimento e desprezavam a preguiça.

• Eles não viam a liberdade como capacidade de fazer qualquer coisa desimpedidamente, mas como o desimpedimento para buscar o Bem Supremo.

• Eles certamente acreditavam em uma moral bastante robusta quanto aos costumes, e iam na contramão de qualquer liberação sexual, mas eram muito tolerantes com condições que há poucas décadas eram tratados como “degeneração”. A sua transigência com o concubinato, e até proteção eclesial dos concubinos — que comungavam —, era sintomática, e não mostrava, em nenhum lugar, consciência de ser exceção pastoral. Essa posição é desconcertante quando justaposta à sua abordagem estridente e intransigente contra o adultério.

• Não se encontrará nada nos Pais que pareça uma separação entre política e religião. (Alguém tenta forçar algo assim em Santo Agostinho, mas basta estudar sua abordagem da controvérsia donatista para perceber que não.)

• Eles eram moderadamente antinacionalistas, ou, melhor dizendo, fortemente internacionalistas (como bons platônicos). Os Pais acreditavam, de maneira geral, que a separação entre as nações, e especialmente as guerras entre elas, resultavam em parte de um cativeiro demoníaco. A ênfase da doutrina patrística estava na irmandade universal (sem detrimento, mas justamente em função, da irmandade eclesial).

• Eles não eram capazes de viver sem uma sólida teologia da desobediência civil.

• Tanto antes como depois de Constantino, eles eram também moderadamente “imperialistas”, no sentido de verem maior vantagem em que os diversos povos estivessem unidos sob mesmo governo, justamente em razão da humanidade comum e do “antinacionalismo”. Além disso, como vários deles acreditavam que o Império Romano era o “katechon” que impedia o fim do mundo, desejavam a continuidade perene do Império. As pessoas se surpreendem com o quanto Tertuliano, o proto-tolstoísta, e Eusébio, o ideólogo constantiniano orgânico, eram semelhantes. (Quem não entende essas coisas verá 313 como uma tragédia inexplicável.)

• Eles tinham uma noção vaga mas certa de progresso, no sentido de acreditarem que certo avanço civilizacional no mundo estava acontecendo em razão do Império e da expansão da religião cristã.

• Pelos mesmos motivos, eles eram, ainda que em graus variados, fortemente contra a guerra. (A doutrina da “guerra justa”, como perceberá qualquer pessoa que tente aplicá-la, mais entrava as guerras do que as justifica, pois acaba colocando barreiras normalmente impraticáveis, particularmente no ius in bello.)

Rev. Gyordano M. Brasilino

Tertuliano e o Império

Um questionamento às vezes feito, por aqueles de tendência mais pacifista, diz respeito à mudança ocorrida com Constantino. Quando olhamos para os séculos anteriores, vemos um cristianismo sem poder político, perseguido e pacifista; mas então vemos um cristianismo que chega ao poder e se estabelece como religião oficial e privilegiada. Parece haver aí uma corrupção pelo poder.

Sem negar que todo ingresso no poder acarrete sua própria tentação — embora também haja tentação na miséria política —, a realidade é que a “teologia política” anterior a Constantino já havia preparado o caminho. Podemos tomar o exemplo de Tertuliano, um dos mais bravos pacifistas do período anterior, contrário, como vários dos primeiros pais, ao ingresso dos cristãos no exército imperial (que, hoje sabemos, acontecia com frequência). Um radical de coração, Tertuliano considera que, mesmo que não tenham que participar em sacrifícios ou penas capitais, ainda assim seria ilícito para os cristãos participar desses empreendimentos, pois não é possível servir a dois senhores: ou Deus, ou César.

Tertuliano é insuspeito. No seu Apologético, dirigido aos imperadores, ele deixou claro que os reinos e impérios se estabelecem a partir da guerra e da destruição de cidades, casas, templos, pelo massacre de sacerdotes e cidadãos. Ele tem essa ousadia — que seria mais ousada hoje do que antes, é verdade — num texto em que procura defender os cristãos da acusação de traidores do trono imperial. Ele não manifesta nenhum prazer nessas calamidades. Esse sentimento, essa sensibilidade para o sofrimento, essa percepção de como o poder inquestionável e distante trata a vida humana como nada e a pisa como traça, é a raiz de todo antiimperialismo possível.

No entanto, na mesma obra, enquanto criticava o culto aos imperadores, ele escreveu:

“…sem cessar, oramos sempre por todos os imperadores. Oramos por sua vida prologada, por um império seguro, por uma casa (imperial) protegida, por exércitos fortes, um senado fiel, um povo probo, um mundo tranquilo, pelo que, como homem ou como César, ele desejar…” (XXX)

“Há também uma outra maior necessidade para o oferecimento de nossas orações pelos imperadores, a saber, pela completa estabilidade do império e pelos interesses romanos, pois nós sabemos que um poderoso impacto iminente sobre toda a terra, aliás, o próprio fim de todas as coisas ameaçando com amargores horrendos, só é retardado pela contínua existência do Império Romano. Não desejamos, então, ser subvertidos por esses eventos terríveis; e, orando para que sua vinda seja retardada, emprestamos nosso auxílio à duração de Roma… Respeitamos nos imperadores o juízo de Deus, que os colocou sobre os povos. Sabemos que há neles o que Deus quis; e àquilo que Deus quis desejamos toda segurança, e consideramos esse um grande juramento.” (XXXII)

“Oramos, também, pelos imperadores, pelos seus ministros e por todos em autoridade, pelo bem-estar do mundo, pela prevalência da paz, pelo adiamento da consumação final.” (XXXIX)

Essas palavras não podem ser lidas como mera aplicação eloquente e exaltada da injunção bíblica da intercessão pelo bem-estar de governantes e povos. Há, bem aí, somada ao sentimento “não-nacionalista” patrístico geral, a noção de que o Império Romano, em particular, é mantenedor político da paz. Deus não apenas permite ou autoriza que Roma exista, como um caso da regra de que Deus dá autoridade aos governantes, mas, dentro da teologia de Tertuliano, existe um desejo particular de Deus para com o Império Romano, um desígnio divino para a “pax romana”.

Nesse sentido, já havia, muito antes da apologia pró-imperial de Eusébio, uma crença, entre esses cristãos perseguidos, de que havia um elemento importante na preservação do Império, razão por que, se desobedientes a ele em matéria de religião, não deixavam de lhe servir. Quase podemos, adaptando o dito de Loisy, dizer: Cristo prometeu o Reino, e o que veio foi o Império.

Rev. Gyordano M. Brasilino

O Fogo Purificador (Santa Macrina e São Gregório de Nissa)

Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados, a fim de que, da presença do Senhor, venham tempos de refrigério, e que envie ele o Cristo, que já vos foi designado, Jesus, ao qual é necessário que o céu receba até aos tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus falou por boca dos seus santos profetas desde a antiguidade.” (Atos 3:19–21)

A despeito do fato de que nós hoje — corretamente — nos preocupemos com uma imagem de violência divina que sirva para justificar e inflamar a violência humana, ainda assim devemos procurar aquela verdade profunda subjacente às palavras de que o Senhor “açoita a todo filho a quem recebe… a fim de sermos participantes da sua santidade”. A imagem é de uma sociedade em que o castigo físico como expiação e reforma era comum — como vemos no livro de Provérbios —, mas não precisamos nos deter nela. Embora nem todo sofrimento seja, a priori, imediatamente benéfico, deve haver um lugar para o sofrimento na nossa própria transformação.

São Gregório de Nissa, guiado por sua mestra e irmã, Santa Macrina, é levado a contemplar os mistérios da salvação e da condenação, da bondade e da severidade de Deus, numa perspectiva escatológica. Como é bem sabido, eles acreditavam na salvação última de todas as pessoas, a apocatástase. Essa doutrina parte de várias premissas, dentre as quais está a teoria restaurativa e transformadora da pena — que não apenas crê que Deus açoita a todos a quem recebe como filhos, mas recebe como filhos a todos a quem açoita, e cuja dor é intrínseca (causada pelo pecado) e não extrínseca (causada por Deus) —, assim como uma metafísica mística que, por colocar Deus na raiz de todas as criaturas, não consegue não conceber o fim como um retorno de tudo à origem e, portanto, o fim do mal, quando Deus será “tudo em todos”. Nessa concepção, Deus, por ser Deus, não pode eternizar a “existência” do mal. Os místicos universalistas, como Juliana de Norwich e William Law, têm muito em comum.

Não é preciso concordar de todo com a tese da salvação universal para admirar a beleza do modo como Santa Macrina e São Gregório descrevem a resolução última do drama universal. Mas é claro que somente aqueles que acreditam em algum tipo de purificação após a morte — seja num purgatório mais modesto ou mais guloso — serão capazes de aceitar algo assim. Nesse caso, há muitas semelhanças com o purgatório de Santa Catarina de Gênova e de C. S. Lewis. Em nível último, sem algum tipo de pena purificadora (ao menos para parte dos pecadores), o que temos é a prevalência da punição pena punição.

“Uma vez que toda natureza atrai para si aquilo que lhe é afim, e o homem é em certo sentido afim a Deus já que tem em si a imitação do arquétipo, a alma não pode não ser arrastada em direção ao divino por aquilo que lhe é afim; com efeito, é preciso que seja inteira e absolutamente reservado para Deus aquilo que lhe pertence. Se, portanto, a alma é leve e pura, sem nenhum fardo corporal que pede sobre ela, a sua ascensão em direção Àquele que a atrai é agradável e fácil. Mas levantamos a hipótese de que esta seja trespassada pelos pregos da afeição pelas coisas materiais. Nos desastres provocados por terremotos, os corpos esmagados pelos escombros são destinados a sofrer uma semelhante sorte. Suponhamos que esses não somente sejam sufocados pelas ruínas, mas que sejam também trespassados pelos pais e pelos pedaços de madeira que se encontram nos escombros. É fácil intuir os sofrimentos que tocam aos corpos que se encontram nesse estado, quando os seus próximos os retiram das ruínas para sepultá-los santamente: esses são todos pesados e reduzidos a pedaços e sofrem as penas mais atrozes, laceradas pelos escombros e pelos pregos sob o efeito de uma tração violenta. Parece-me que análogo sofrimentos prove também a alma, quando a potência Divina, impelida pelo seu amor em favor dos homens, deseja extrair aquilo que lhe pertence dos escombros representados pela irracionalidade e pela matéria. Na minha opinião, Deus, que exige em restituição e atrai para si tudo aquilo que nasceu graças a ele, não inflige aos pecadores as dores porque os odeia ou queira puni-los pela sua má vida: ele se limita a atrair a alma para si, a fonte de toda bem-aventurança, em vista de um bem superior; mas aquele que é arrastado não pode não tocar a dor.
Como quem deseja eliminar com o fogo o material que se encontra misturado com ouro não pode limitar-se a fundir este material espúrio, mas é constrangido a fundir juntamente também o ouro puro, que permanece enquanto o primeiro se consuma, assim, enquanto mal é consumido pelo fogo inextinguível, a alma também, unida ele, está necessariamente no fogo, até que os elementos espúrios e materiais que foram semeadas nela sejam eliminados e consumados pelo fogo eterno…
…O mal deve ser de fato de todo eliminado do ser: como se disse antes, o não-ser não pode existir. Uma vez que o mal não pode, por natureza, existir fora do livre arbítrio, quando o livre arbítrio se encontra em Deus, o mal irá ao encontro da total destruição porque não lhe resta mais nenhum receptáculo.” — A Alma e a Ressurreição IV

“… Quanto à diferença entre uma vida segunda virtude e uma vida segundo vício, ela aparecerá sobretudo na vida futura, onde a participação na felicidade esperada será mais rápida ou mais tardia. Com efeito, a medida do mal sobrevindo em cada um corresponderá perfeitamente a duração mesmo da cura. A cura da alma consiste na purificação do mal; e esta, como se provou precedentemente, não poderá realizar-se sem um estado de sofrimento…
Mas a vida virtuosa conhecerá em razão do mal as seguintes diferenças: aqueles que nesta vida se cultivaram por meio da virtude se tornam logo uma espiga perfeita; mas aqueles em que o mal tornou débil e exposta aos danos do vento nesta vida a potência contida na semente psíquica — isto, segundo sábios nesses assuntos, costuma acontecer às chamadas sementes duras — mesmo se [um dia] ressurgirem, serão tratados pelo juiz com grande severidade, porque não tiveram força para reencontrar a forma da espiga e se tornarem o que precisamente éramos antes da queda sobre a terra… Quando todas as ervas bastardas e estranhas forem separadas da planta genuína e levadas a destruição pelo fogo que consome o elemento exterior à natureza, então a natureza desses seres também prosperará e produzirá os seus frutos maduros reassumindo, depois de um longo período, a forma comum a todos os homens, que Deus imprimira em nós no início… As paixões produzidas pelo mal se a bola hein dificilmente da alma, uma vez que se encontram misturadas com ela em sua totalidade, tendo crescido com ela e formado uma só coisa com ela ponto quando, portanto, Os seres desse gênero foram eliminados e destruídos pela cura do fogo, cada uma dessas realidades cuja noção tem um conteúdo positivo vir a tomar o lugar: a incorruptibilidade, a vida, a honra e a Graça, a glória, a potência, e toda a outra realidade desse gênero que, segundo nossas conjecturas, se possa contemplar ao mesmo tempo em Deus mesmo e em sua imagem, que é a natureza humana.” — A Alma e a Ressurreição VI

“Entretanto, como para o corpo há diferentes enfermidades, das quais algumas se prestam mais facilmente à cura e outras com maior dificuldade, e para essas últimas se recorre às incisões, às cauterizações, às porções amargas para eliminar os males que se abateram sobre o corpo, do mesmo modo tratamentos análogos nos são anunciados pelo juízo futuro para cura das enfermidades da alma, e isto, para os mais frívolos, é ameaça e método de correção severos, a fim de que o temor de uma expiação dolorosa nos faça tornar-se sábios e nos leve a fugir do mal; mas para aqueles que são mais sensatos, a fé assegura que é uma cura e um tratamento salutar da parte de Deus que deseja reconduzir a sua criatura à graça originária.

Com efeito, aqueles que eliminam com incisões ou mediante cauterização assistências e as verrugas que se formaram no corpo contra a natureza, não conseguem uma cura sem dores ao beneficiário do tratamento; mas, ao menos, não praticam a incisão para causar um dano ao paciente; assim também todas as excrescências materiais que se formaram em nossas almas tornando-as canais sobre efeito de sua participação nas mais de exposições do corpo, são, no tempo oportuno daquele juízo, cortadas e eliminadas por aquela inefável sabedoria e pela potência daquele que, segundo Evangelho, é médico dos pecadores: ‘Não são de fato, diz ele, os sãos, que têm necessidade do médico, mas os doentes.’” — A Grande Catequese VIII, 10–11


“Quando o ouro se mistura a uma matéria menos valiosa, os ourives eliminam com a ação do fogo o elemento estranho e sem valor, devolvendo à matéria mais nobre seu esplendor natural. Todavia, esta separação não sucede sem labor, pois o fogo, com sua força de consumação, necessita de tempo para fazer desaparecer o elemento impuro; aliás, é uma espécie de tratamento aplicado ao ouro, o fato de fundir o elemento que está contido no outro e que altera sua beleza.
Pois da mesma maneira, visto que a morte, a corrupção, as trevas e tudo o que é engendrado pelo mal estão estreitamente unidos ao inventor do mal, a aproximação da potência divina provoca, como o fogo, a destruição do elemento contrário a natureza e, graças a esta purificação, mostra-se salutar para a natureza, por mais penosa que seja a separação. Por conseguinte, tampouco o adversário poderia duvidar de que se trata de um processo justo e salvífico, se chegasse a compreender o benefício que disto resulta.
Ora, precisamente, como aqueles que suportam a terapia a base de cortes e de cauterizações se irritam contra os médicos em razão da dor aguda provocada pelo corte, mas, quando, graças a esses meios, recuperam a saúde e desaparece a dor da cauterização, então terão gratidão por quem os curou; da mesma maneira, uma vez que, após o longo transcorrer dos tempos a natureza foi libertada do mal (do mesmo modo que agora está mesclado e cresceu com ela), quando se cumprir o retorno à condição originária daqueles que agora estão sujeitos ao mal, se erguerá uma sinfonia de ação de graças de toda a criação, seja daqueles que foram castigados com essa purificação, seja da parte de quem não tiver necessidade de purificação.
Esses ensinamentos e outros do mesmo gênero nos transmitem o grande mistério da Encarnação divina. Graças a sua mescla com a humanidade, assumindo todas as particularidades próprias da natureza humana, o nascimento, a educação e o crescimento, e atravessando inclusive a prova da morte, Deus cumpriu tudo o que foi dito anteriormente, libertando o homem da maldade e curando o próprio autor da maldade. Com efeito, curar uma enfermidade é fazer desaparecer a doença, ainda que à custa de sofrimento.” — A Grande Catequese XXVI, 6–9

“…constituindo toda a natureza como um só ser vivo, a ressureição de um membro se estende a todo o conjunto, e da parte se comunica ao todo em razão da continuidade e unidade da natureza.” — A Grande Catequese XXXI, 4

“Ora, o que corresponde ao ouro impuro é o forno de fundição; assim, uma vez fundida toda a maldade que se tinha misturado a esses pecadores, sua natureza, já purificada depois de longos séculos, será reconduzida a Deus sã e salva. Por conseguinte, visto que há certa força purificadora no fogo e na água, aqueles que lavaram a mancha da maldade mediante a água sacramental não necessitam de outra forma de purificação; aqueles, ao contrário, que não são foram iniciados nessa purificação, necessariamente deverão ser purificados pelo fogo.” — A Grande Catequese XXXV, 15

Rev. Gyordano M. Brasilino

Tertuliano ensinava mesmo a Regeneração Batismal?

Prague The Fresco Of Baptism Of Jesus In Church Kostel Svatého Václava By S  G Rudl Stock Photo - Download Image Now - iStock

Como eu gosto de dizer, poucas doutrinas são tão uniformes e indisputáveis, entre os Pais da Igreja, como a doutrina da Regeneração Batismal. De fato, ela é mais uniforme do que a própria doutrina da Trindade. Enquanto jamais nenhum Pai da Igreja combateu a Regeneração Batismal, os hereges da época o fizeram, como veremos. Tertuliano se encontra no número dos primeiros cristãos que deram testemunho dessa doutrina. O caso de Tertuliano, aliás, é peculiar comparado aos Pais da Igreja (grupo ao qual ele não pertence plenamente), em razão de alguns problemas doutrinais e históricos presentes nos seus escritos. Isso torna a defesa da Regeneração Batismal, um caso em que podemos aplicar a antiga regra: um momento em que até quem erra sinaliza a doutrina correta.

Pois bem, não é difícil encontrar o ensino de Tertuliano sobre regeneração batismal. Ele escreveu um tratado sobre o sacramento da fonte (De Baptismo), e o propósito desse tratado é precisamente explicar a necessidade do Batismo para a salvação, quando Tertuliano argumentou contra os gnósticos cainitas, comunidade que negava a necessidade do Batismo para a salvação. O tratado De Baptismo inicia propondo o seu tema: “Acerca do Sacramento da nossa água, no qual, sendo absolvidos dos delitos da nossa vida pristina, somos liberados para a vida eterna…” (cap. I). Mais adiante, ele escreveu (grifo meu):

Em razão disso, aqueles criminosíssimos provocadores de perguntas dizem ‘Portanto, o batismo não é necessário àqueles a quem basta a fé; assim também Abraão agradou a Deus, sem nenhuma água, senão com o sacramento da fé.’ Mas, em tudo, as coisas posteriores concluem, e as coisas subsequentes prevalecem sobre as antecedentes. A salvação anteriormente foi pela fé nua, antes da paixão e ressurreição do Senhor; mas como a fé aumentou, aos crentes no seu nascimento, paixão e ressurreição, é ampliado o sacramento pelo selo [obsignatio] do batismo, como uma vestimenta para a fé que antes estava nua, que já não pode salvar sem a sua lei. Pois a lei do batismo foi imposta, e a fórmula prescrita: “Ide”, ele diz, “ensinai todas a nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. A comparação dessa fórmula com esta lei: “A menos que um homem nasça da água e do Espírito, ele não poderá entrar no reino dos céus”, restringiu a fé à necessidade do batismo. De Baptismo 13

Nesse trecho, Tertuliano tenta descrever a posição contrária como a noção de que, se a salvação é pela fé, o Batismo se torna desnecessário. Tertuliano não nega a salvação pela fé, mas argumenta que ela não deve ser pela fé nua. O Batismo é como a vestimenta necessária á fé. Para Tertuliano, portanto, o Batismo é necessário à salvação, e ele argumenta em favor dessa noção apelando para o conhecido texto de João 3:5, que limita a entrada no reino de Deus aos que nascerem da água, o que ele interpreta como significando a necessidade do Batismo. Para Tertuliano, “sem o batismo, ninguém pode alcançar a salvação” (nemini sine baptismo competere salutem, cap. 12).

De que maneira o Batismo é necessário à salvação? Num contexto um pouco diferente, Tertuliano acusa Marcião de Sinope (como redução ao absurdo) de privar o Batismo de quatro benefícios: a remissão de pecados, o livramento da morte, a regeneração e a concessão do Espírito Santo (Contra Marcion I, 28). Isso concorda com o que propõe o De Baptismo; já mencionamos a remissão dos pecados acima. Ele também menciona o Espírito Santo ao escrever sobre “…o Espírito de Deus, que de início pairava sobre as águas, continuaria sobre as águas dos batizados.” (De Baptismo 4).

Para Tertuliano, através da invocação de Deus, as águas adquirem o “poder sacramental de santificação” (praerogativa sacramentum sanctificationis, De Baptismo 4). Aqui Tertuliano alude à tradução, difusa na patrística, segundo a qual há nas águas do Batismo um poder santificador. Por isso, no mesmo capítulo, ele segue escrevendo: “Portanto, depois que as águas foram, de algum modo, imbuídas com virtude medicinal pela intervenção do anjo, o espírito é corporalmente lavado pelas águas, e a carne é, no mesmo, espiritualmente lavada.” Tertuliano esclarece que não são as águas em si mesmas que purificam, mas seu poder santificador prepara para o envio do Espírito Santo que acontece naquele momento (De Baptismo 6). Por isso, ele distingue o ato do batismo, que é carnal, do efeito do batismo, que é espiritual: a remissão de pecados ( De Baptismo 7).

Esses são só alguns exemplos de como Tertuliano ensinava a doutrina patrística unânime da Regeneração Batismal.

Rev. Gyordano M. Brasilino

Sem amor, a fé não salva. Todos concordam.

Porque, em Cristo Jesus,
nem a circuncisão,
nem a incircuncisão
têm valor algum,
mas a fé que atua pelo amor.

Gálatas 5:6

Esse é, decididamente, um dos meus textos favoritos de toda a Bíblia. É surpreendente notar, no entanto, o quanto esse versículo foi usado pelos cristãos das mais diversas tradições para esclarecer o significado da fé salvadora. Historicamente, esse texto foi usando para explicar também a distinção entre fé morta e fé viva em Tiago 2: a fé viva seria precisamente “a fé que atua pelo amor” (portanto uma fé que tem obras e amor); a fé morta seria a fé sem obras, demoníaca, marcada pelo mero temor (servil). Essa associação entre Gálatas 5 e Tiago 2 é o que eu chamo de “solução agostiniana” para a tensão textual entre Paulo e Tiago. É muito difícil encontrar alguma solução que não passe por ela em algum momento.

Enquanto falamos de fé ou de obras na salvação, parece que falamos de coisas diferentes; quando, no entanto, usamos essas palavras de Paulo para explicar com maior precisão o papel da fé na salvação, todos nós, partindo de perspectivas diferentes, caminhamos na direção de um mesmo equilíbrio. É parte do “mínimo ecumênico” da nossa soteriologia: a crença de que a fé justificante, a fé viva, é fé que opera pelo amor. Só vive pela fé quem vive pela fé viva.

Alguns exemplos (com ênfases diferentes):

“Depois de concluir que a fé está em nosso poder, visto que, quando alguém quer, vem a crer e, quando crê, crê por sua vontade, é mister investigar, ou melhor, recordar a que fé o Apóstolo se refere com tanta combatividade. (…) Esta é a fé pela qual se salvam aqueles a quem diz: ‘Pela graça sois salvos’ (…) Finalmente, esta é a fé que age pela caridade, não por temor, não temendo o castigo, mas amando a justiça.”
Santo Agostinho, O Espírito e a Letra, XXXII, 55, 57

“Assim ele diz ‘Pois em Cristo Jesus‘, isto é, naqueles que vivem na fé em Cristo, ‘nem a circuncisão nem a incircuncisão servem de nada‘, isto é, não fazem diferença, ‘mas a fé‘, não informe, mas o tipo ‘que opera pela caridade‘: ‘a fé sem obras é morta‘. Pois a fé é um conhecimento da palavra de Deus — ‘Que Cristo habite em vossos corações pela fé‘ — palavra que não é perfeitamente possuída ou perfeitamente conhecida a menos que seja possuído o amor pelo qual ela espera.”
São Tomás de Aquino, Comentário a Gálatas 5:6

“A fé deve, é claro, ser sincera. Deve ser uma fé que realiza boas obras através do amor. Se à fé falta o amor, ela não é fé verdadeira. (…) A fé ociosa não é fé justificante.”
Lutero, Comentário a Gálatas 5:6

“Portanto a fé que verdadeiramente justifica é aquela fé que opera através do amor.”
Colóquio de Ratisbona (Martin Bucer), Art V

“Porque a fé nem une perfeitamente com Cristo, nem faz membro vivo de seu corpo, se não se lhe ajuntarem a esperança e a caridade. Daí a razão de se dizer com toda a verdade: a fé, sem obras, é morta (Tgo 2, 17 ss) e ociosa [cân. 19]; e em Jesus Cristo nem a circuncisão nem o prepúcio valem coisa alguma, mas a fé que obra pela caridade (Gal 5, 6; 6, 15).”
Concílio de Trento, Sexta Sessão

“Essa fé morta portanto não é a fé certa e substancial que salva os pecadores. Há outra fé nas Escrituras, que não é (como a referida fé) ociosa, infrutífera e morta, mas que opera pela caridade (como São Paulo declara, Gálatas 5:6). De modo que, assim como a outra fé vã é chamada fé morta, assim também esta é chamada fé viva e vivaz.”
Primeiro Livro de Homilias (Igreja Anglicana), Homilia IV (Da fé verdadeira e viva)

“De modo que, embora a fé conduza o caminho da nossa justificação, ainda assim a santidade de vida manifestada nas obras de caridade, assim como todos os outros atos da vida piedosa, devem abrir para nós as portas do céu e conseguir para nós a entrada na mesma, como é evidente em São Mateus 25:34-41.”
Rev. Peter Heylyn, The Doctrine and Discipline of the English Church

“A fé, assim recebendo e assim se firmando em Cristo e na justiça dele, é o único instrumento de justificação; ela, contudo não está sozinha na pessoa justificada, mas sempre anda acompanhada de todas as outras graças salvadoras; não é uma fé morta, mas obra por amor.”
Confissão de Fé de Westminster (Igreja Presbiteriana), Cap XI, §II
[Seguida ipsis litteris pela Confissão de Fé Batista de Londres de 1689 e pela Declaração de Savoy (congregacional)]

“O amor não é ingrediente numa fé meramente especulativa, mas é a vida e a alma da fé prática. Uma fé verdadeiramente prática ou salvadora é luz e calor juntos, ou antes luz e amor, enquanto que uma fé especulativa é somente luz sem calor; e, como lhe falta calor espiritual ou amor divino, ela é em vão, e para nada serve. Uma fé especulativa consiste somente na ascensão do entendimento; mas numa fé salvadora há também o consentimento do coração; e a fé que é apenas do primeiro tipo não é melhor que a fé dos demônios, pois eles têm uma fé apenas no tanto em que ela pode existir sem amor, crendo e tremendo.”
Jonathan Edwards, Love, the Sum of All Virtue

“Na fé justificadora o ser humano confia na promessa graciosa de Deus; nessa fé estão compreendidos a esperança em Deus e o amor a Ele. Essa fé atua pelo amor; por isso o cristão não pode e não deve ficar sem obras.”
Declaração Conjunta Sobre a Doutrina da Justificação, 4.3.25

“A fé, portanto, não inclui apenas um assentimento à verdade do Evangelho, mas envolve também um compromisso de nossa vontade para com Deus em arrependimento e obediência ao seu chamado; do contrário, a fé é morta (Tg 2:17). A fé viva é inseparável do amor, produz boas obras e aprofunda-se ao longo de uma vida de santidade. (…) Assim como justificação e santificação são dois aspectos do mesmo ato divino, assim também a fé viva e o amor são inseparáveis no crente. A fé não é uma disposição meramente privada e interior, mas por sua própria natureza ela é exteriorizada em ação: boas obras necessariamente brotam de uma fé viva (Tg 2:17ss).”
ARCIC II (Segunda Comissão Internacional Anglicana – Católico-Romana), Salvation and the Church, 10 e 19

Rev. Gyordano M. Brasilino

Santo Agostinho sobre o Júbilo

St. Augustine of Hippo – Mariners' Church of Detroit

Canta com júbilo. Isto é cantar bem a Deus, cantar com júbilo. O que é cantar com júbilo? Entender, não podendo explicar com palavras o que canta o coração. De fato, aqueles que cantam, seja na messe, seja na vinha, seja em qualquer outro trabalho com fervor, quando começam exultar de alegria nas palavras dos cânticos, ficam como cheios de tanta alegria a ponto de não poderem se expressar por palavras, se apartam das sílabas das palavras e se entregam ao som de júbilo. O júbilo é como um som que significa o coração parindo aquilo que não é capaz de dizer. E a quem agrada esse júbilo, senão ao Deus inefável?
De fato, é inefável o que não pode dizer; e se não podes dizê-lo, e não te podes calar, que resta senão que tu jubiles, para que te alegre o teu coração sem palavras, e a amplitude imensa das alegrias não se limite pelas sílabas?”
—  Enarrationes in Psalmos, In Eumdem Psalmum 32, Enarratio II

“Quem jubila não diz diz palavras, mas sons de alegria sem palavras. Essa é a voz de uma alma inundada de alegria, que exprime, como pode, o seu sentimento, não compreendendo o significado. Alegrando-se o homem em sua exultação, por certas palavras que não pode explicar e compreender, irrompe em sons de exultação sem palavras.”
— Enarrationes in Psalmos, In Psalmum 99

“Então, da boca de homens e mulheres brotou explosão de júbilo, e suas vozes, metade contentamento, metade lágrimas, prolongaram-se indefinidamente. (…) Gritavam em louvor a Deus não palavras, mas vozes sem sentido, tão fortes, que nossos ouvidos mal podiam aguentá-las.”
— Cidade de Deus, XXII, VIII, 22

O que eu acho da Sucessão Apostólica?

Toda organização que tenha a permanência por propósito necessita de sucessores na liderança, e todo líder sábio pensa em como preparar a próxima geração, como o fez Moisés. É tolice pensar que os apóstolos não pensaram em quem os sucederia, em como a igreja ficaria depois que eles passassem. Eles pensaram, está lá no Novo Testamento. O Novo Testamento só conhece três tipos de ministros: os apóstolos (como Paulo), aquele que foram ordenados pelos apóstolos (como Timóteo) e aqueles que foram ordenados por estes. O Novo Testamento desconhece qualquer outra forma de acesso ao ministério ordenado.

Na tradição anglicana, a sucessão apostólica é chamada de episcopado histórico, significando com isso a unidade entre o episcopado e a missão apostólica. Portanto só se pode compreender a sucessão apostólica tendo em vista uma noção clara a respeito do ministério apostólico e da continuidade do episcopado, portanto do governo episcopal, isto é, o governo dos bispos.

A afirmação central da sucessão apostólica é a de que há uma continuidade entre autoridade dada por Cristo aos apóstolos e autoridade exercida pelos bispos ao longo dos séculos. Portanto não nos referimos a qualquer governo que funcione com a estrutura episcopal, mas do episcopado conforme visualizado historicamente. Haveria portanto uma continuidade estrutural entre o Novo Testamento e os modo de governo da igreja visto nos séculos seguintes. Não se trata de afirmar que não houve mudanças no episcopado, mas que, a despeito das diversas mudanças, preservou-se uma forma comum.

A essência desse princípio governamental está no fato de que toda autoridade é recebida do alto. Como ensinam os 39 Artigos de Religião, o ministro precisa ser constituído por aqueles que tem autoridade sobre a congregação (o qual também recebeu a autoridade do mesmo modo). Assim, não cabe à congregação conceder a autoridade aos ministros, muito menos cabe aos indivíduos constituírem ou considerem a si mesmos como detentores essa autoridade. É um princípio de humildade: eu só faço aquilo que recebi autoridade para fazer. Em vez de me estabelecer sobre o rebanho, eu recebo autoridade através de uma missão, em uma delegação, como propósito no reino. Autoridade e missão se correspondem. Assim, Paulo pergunta, retoricamente: “E como pregarão, se não forem enviados [apostalōsin]?” (Rm 10:15a). Para ele, o ato de pregar era inconcebível separado de um envio apostólico. Ninguém envia a si mesmo. Somente pastores fazem pastores.

De fato, esse envio começa antes dos próprios apóstolos, quando Cristo é enviado pelo Pai para pregar a doutrina do Pai e cumprir o mandamento do Pai (Jo 7:16; 10:18), depois enviando, com o Pai, o Espírito Santo (Jo 14:26; 16:7). Mesmo as três pessoas divinas sendo, segundo a doutrina cristã, iguais em poder, glória e natureza, ainda assim cabe a uma enviar a outra. É esse espírito de humildade de Cristo diante do Pai que nós imitamos quando, em vez de enviar a nós mesmos, somos enviados por quem tem autoridade sobre nós. A congregação não tem autoridade. Teólogos leigos não têm autoridade. Presbíteros também não têm essa autoridade, porque nunca a receberam. Mas alguns ministros do evangelho (os sucessores dos apóstolos) a têm, porque a receberam. A sucessão apostólica preserva a humildade ministerial, pois significa que não glorificamos a nós mesmos, antes recebemos um comissionamento. “Ninguém, pois, toma esta honra para si mesmo, senão quando chamado por Deus, como aconteceu com Arão. Assim, também Cristo a si mesmo não se glorificou para se tornar sumo sacerdote, mas o glorificou aquele que lhe disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei;” (Hb 5:4-5).

Onde falta a sucessão apostólica, alguém concedeu a si mesmo, em algum momento, a autoridade ministerial ou a recebeu de quem não a tinha. Quando entendemos isso, entendemos por que, ao lado do batismo, a imposição de mãos figura como um dos fundamentos dos cristãos, em Hebreus 6:1-2. O texto menciona o arrependimento, a fé, o batismo, a imposição de mãos, a ressurreição dos mortos e o juízo vindouro. Quantas coisas importante! Mas onde a sucessão apostólica é abandonada, a imposição de mãos rapidamente perde essa importância.

A violação desse princípio de humildade aparece nas revoltas contra Moisés, particularmente a de Corá. Certos líderes do povo presumiam que “toda a congregação é santa, cada um deles é santo” (Nm 16:3), que todos têm autoridade. A noção de que todos são santos (consagrados) pode ser encontrada em Êxodo (19:5-6). Todos eram consagrados a Deus, eram todos sacerdotes de algum modo, mas nem todos receberam o mesmo dom que Moisés, Arão e outros receberam, e que Moisés repassou a Josué por imposição de mãos (Nm 27:22-23; Dt 34:9). Mesmo no Novo Testamento, a Escritura nos adverte contra o espírito contrários à autoridades, mencionando Corá (Jd 11). Isso significa que, mesmo no Novo Testamento, ainda é possível cometer o mesmo tipo de revolta.

Existe uma ficção de que inicialmente todos os ministros do Evangelho eram presbíteros e só com um tempo alguns começaram a se elevar sobre os demais como bispos. No entanto, o que vemos é precisamente o contrário: no começo da patrística (em Santo Inácio por exemplo), os bispos eram as figuras centrais e gradativamente os presbíteros começaram a assumir funções que originalmente eram dos bispos. Seguindo o princípio de humildade, os presbíteros receberam mais autoridade porque a receberam daqueles que eram seus superiores. Quando Sto. Inácio, poucos anos depois da morte do último apóstolo, nos ensina que deve se ter por válida a Eucaristia ministrada pelo bispo ou por alguém indicado por ele, mostra, com isso, que a associação entre a Eucaristia e o presbítero ainda não estava firmada. Os presbíteros eram auxiliares menores do bispo e, com o tempo, foram elevados. Usando a imagem de Hooker, os presbíteros usam candeeiros emprestado dos bispos.

Esse vínculo ministerial e sacramental se manteve ao longo dos séculos, a despeito dos pecados impiedade dos homens que transmitiam. Mesmo quando o corpo de Cristo é ferido pelos pecados dos homens, seus ossos não são quebrados, eles suportam até o dia da Ressurreição.

Mas o que dizer daqueles que são membros de tradições e comunidades que estão fora da sucessão apostólica? O mais fácil é dizer que associação apostólica é da essência da igreja e portanto onde falta uma falta a outra: onde não há sucessão apostólica, não há igreja como corpo, mas apenas uma associação de cristãos. No entanto, penso que as coisas são mais complexas. Quando nós consideramos a história bíblica, vemos que havia mais vida espiritual nos profetas de Israel do que nos sacerdotes de diversos períodos. A autoridade carismática e a santidade de vida, a unção espiritual e o chamado individual são tão sinais da vida de Cristo e de sua presença entre nós quanto a continuidade ministerial, ainda que esta continuidade tenha uma objetividade particular e confira à Igreja sua constância e segurança própria.

A sucessão apostólica, como um presente de Cristo para igreja, deve ser guardado e preservado com muita gratidão. Não é o único presente que Cristo concedeu a igreja, e visivelmente ele concede a outras pessoas muitos dons. Mas aquilo que a Escritura trata como fundamento e coloca o lado do batismo deve ser mantido e sustentada pelos cristãos.

Rev. Gyordano M. Brasilino

O Batismo não é só um símbolo (parte 2)

Minha publicação (13)

A doutrina da Regeneração Batismal é unânime entre os Pais da Igreja. De fato, entre eles há mais acordo sobre Regeneração Batismal do que sobre a Trindade. Enquanto a primeira é afirmada por todo mundo, a segunda teve um desenvolvimento histórico até chegar à explicação mais clara e permanente. Continue lendo “O Batismo não é só um símbolo (parte 2)”

O que é Christus Victor?

Minha publicação (8)

Christus Victor (“Cristo Vencedor”) é o tema segundo qual um propósito fundamental da obra de Cristo — particularmente quanto a sua paixão, morte, descida, ressurreição e ascensão — é uma vitória sobre os poderes das trevas, como o diabo a morte e o pecado, que oprimem o ser humano e o levam a uma vida de destruição, alienação, desintegração e condenação. É uma maneira de encarar e explicar a doutrina cristã da salvação. É a linguagem dos Pais da Igreja. Continue lendo “O que é Christus Victor?”

Quem é esta?: A Interpretação do Cântico dos Cânticos

 

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As obras de arte têm uma riqueza muito especial, uma certa transcendência natural: o significado da obra se lança sempre para além da intenção do autor. Ainda que seja danoso desprezar essa intenção do autor inteiramente, ela nunca expressa a totalidade da obra, é só uma janela para um mundo diferente. Quando, sob pressão, Varonese mudou o título da sua Última Ceia para Banquete na casa de Levi, ele condicionou significativamente leitura que fazemos da pintura, mas mesmo assim ele não a controla totalmente. Continue lendo “Quem é esta?: A Interpretação do Cântico dos Cânticos”