A Espada do Éden

“Querubins e a Espada Flamejante,” J. Kirk Richards

O livro do Gênesis conta que, quando Adão e Eva foram expulsos do Éden, foi colocada uma espada gloriosa, juntamente com querubins, para proteger o caminho da entrada (oriente) até a Árvore da Vida.

Alguém perguntou o que significa essa espada, na leitura alegórica.

Diversos símbolos têm uma natureza dual. Dois dos mais comuns são o fogo e a água. Ambos significam morte e vida, mas de maneiras inversas. O sentido dominante da água é realmente vida (bebida, irrigação, limpeza, renovação), mas ela pode facilmente significar também morte e destruição (a enchente, a correnteza indomável, o dilúvio, os monstros marinhos). A água se torna o seu contrário quando se torna um excesso incontrolável, então ela é um símbolo da lei natural, da temperança, da moderação.

O fogo, por outro lado, tem o sentido básico de destruição: ele sobrevive queimando, sua força vem do ato de consumir, e sua fome nunca acaba. A aparência do fogo imita a sinuosidade da serpente. Mas ela também o faz gerando calor e luz, repelindo inimigos noturnos, cauterizando feridas, moldando instrumentos. Então é um símbolo do perigoso e invencível que, no entanto, pode ser dominado. A água está conosco desde sempre (pense nos rios que saem do Éden), ela está em nós, mas o fogo é uma descoberta, uma novidade. Ela é, por isso, um símbolo da cultura, da inventividade, da transformação, com todos os problemas atrelados.

A espada é um símbolo aparentado do fogo. A espada foi criada para ferir e, portanto, para matar, mas justamente por isso ela pode ser invertida e ser usada para proteger. A melhor espada é a que nunca é usada. Então ela compartilha com o fogo a dualidade morte-vida (o inverso da água).

A espada do jardim é uma espada flamejante (lāhaṭ haḥereḇ). Ao menos assim é que a expressão é entendida na Septuaginta (phloginē romphaia, “espada longa flamejante”) e pela Vulgata (flammeus gladius, “gládio flamejante”). A palavra “lāhaṭ” também é entendida, em Êx 7:11, como “encantamento”. Os querubins também são apresentados, em outras partes da Bíblia (particularmente em Ezequiel), como seres flamejantes.

Fílon viu no sol e nos querubins um simbolismo astronômico (“a espada flamejante é simbolo do Sol”, Dos Querubins 26), mas ao mesmo tempo o Logos (“a espada flamejante é símbolo do Logos“, Dos Querubins 28), que foi concebido antes de tudo e está em tudo. Essa ligação Sol-Logos é muito conveniente à imagem bíblica da Palavra divina como luz para o Caminho, já que a espada está no Caminho para guardá-lo.

Em continuidade com o que São Paulo ensina na Segunda Carta aos Coríntios, devemos ver na Palavra como a temos hoje — que Fílon não tinha, mas antevia —, esse simbolismo do fogo: ela primeiro destrói e consome (a Antiga Aliança), para então proteger e vivificar (a Nova Aliança). Enquanto o povo de Israel da Antiga Aliança assume sua identidade ao atravessar o Rio (o Vermelho ou o Jordão), o evento inaugural da Igreja (continuamente chamada de “Caminho” nos Atos dos Apóstolos), da nova realidade comunitária, é o fogo do Pentecostes.

O fogo e o cutelo (Gn 22:6) aparecem juntos também no holocausto de Isaque, que prenuncia o de Cristo. São instrumentos de sacrifício.

O propósito da espada é guardar (šāmar) o caminho do Éden, uma missão originalmente dada a Adão (Gn 2:15). Ela consistia no duplo dever sacerdotal de lavrar (ʿāḇaḏ) e guardar (šāmar). Quando, no entanto, o casal é expulso do jardim, eles são levados a lavrar (ʿāḇaḏ, 3:23) a terra comum da qual foram criados, enquanto cabe agora à espada, juntamente com os querubins, guardar (šāmar). O pecado leva a um rompimento, a uma dualidade, a um “corte” na missão de Adão, que perde o seu caráter sagrado pleno. O trabalho de lavrar estava, originalmente, inserido no lugar sagrado, no centro do mundo, mas agora ele é lançado no Oriente. Adão perdeu a dotação sobrenatural de que havia sido coroado, e ela agora está com a espada.

A espada do Éden tem, portanto, vários sentidos. Ela significa, acima de tudo, Cristo, o Logos, que é luz para o Caminho, que inaugura o “novo e vivo caminho”, no qual podemos nos alimentar da Árvore da Vida (Eucaristia), rodeada de querubins (sacerdotes).

Ele é o Novo Abraão, o Novo Isaque, que se oferece em sacrifício e nos dirige ao banquete. Cristo é o Novo Adão, que cumpre agora a missão hierática perdida pelo Primeiro Adão, na qual nós nos reencontramos com nós mesmos.

Mas a única maneira é deixa para trás o nosso campo da lavra, o mundo, o manifesto, e abraçar o invisível, o oculto, o imensamente perigoso, que não nos permite passar sem nos matar. Mas aí morte é vida. Quem quiser, pois, salvar a sua vida, a perderá. Mas quem perder a sua vida, esse a encontrará.

Rev. Gyordano M. Brasilino

Teodiceia do Futebol

Este texto não é sobre futebol, mas me permitam o proveito da oportunidade. Com a derrota sofrida e saída inesperada da seleção brasileira do Mundial, logo aparece uma multidão de sábios a explicar os motivos da derrota. Devo esclarecer: não os chamo de sábios com ironia ou sarcasmo, mas sábios de fato, dando motivos coerentes, seja culpando este ou aquele jogador, culpando o técnico, o goleiro, até os árbitros. Alguém culpará até a política nacional, com a qual alguns dos jogadores se envolveram.

O jogo foi visto pelas pessoas e a explicação está lá, no que todos viram, mas, em meio à confusão de afetos, que, após duas horas de tensão, atingiram, com o último chute, uma trave existencial, sentimos a necessidade de alguém que aquiete as nossas frustrações com palavras de consolação. O texto é sobre isso.

Os mesmos sábios, caso o Brasil tivesse vencido e, por fim, fosse campeão mais uma vez, ofereceriam os motivos inversos. Em vez de atribuir incompetência ao técnico, diriam que os futebolistas, com espetaculares jogadas, superaram tudo, como bons brasileiros, ou até que o técnico foi um gênio incompreendido. Qualquer que fosse o resultado, bom ou mal, seria justificado pelos sábios, que explicariam o que aconteceu.

Esse é o fenômeno da sabedoria reativa — ou reacionária, se preferirem —, a tentativa de dar explicações que não mudam o passado, na realidade sequer mudam o futuro também, mas nos ajudam de alguma maneira a organizar a casa e a expor nossas decepções a outras pessoas. Quando as coisas vão mal, a sabedoria reativa se dirige sempre a pessoas impotentes, dando-lhes a ilusão democrática de que alguma coisa poderia ter sido feita ou poderá ser feita no futuro, e que a história não é determinada por forças que estão além do nosso acesso e de nossa compreensão.

Ou dando a ilusão de que o destino de Jó é determinado pelo diálogo dos homens e não pelo Concílio dos Filhos de Deus. A história do livro de Jó vocês conhecem, o drama de alguém que sofre e, como consolação, recebe explicações “teodiceanas” do seu próprio sofrimento, palavras de sabedoria que, ironicamente, poderiam ser colhidas do livro de Provérbios ou de alguns dos Salmos. As palavras que Jó escuta não lhe ajudam em nada, não mudam nada, e parecem bastante bobas para quem leu o prólogo do livro e sabe que as coisas são bem mais complicadas. (Žižek trata o livro de Jó como a primeira obra de crítica à ideologia, por seu discurso anticonformista.)

Como sabem os leitores do livro, o problema de Jó só se soluciona com um encontro com Deus, que lhe confunde com mistérios ainda maiores, e não com as respostas humanas consoladoras e harmonizantes. Jó se humilha, mas é aprovado por Deus, enquanto as palavras de sabedoria de Elifaz, Bildade e Zofar são condenadas. E o que eles haviam tentado, senão mostrar que Deus era justo em meio aos sofrimentos de Jó? Nem todo mundo que defende a Deus está fazendo a coisa certa, quando as palavras são insensíveis para a condição humana.

Estritamente falando, há só duas citações do livro do Jó no Novo Testamento. Uma é das palavras de Deus em Jó 41:11 (Rm 11:35), exaltando a transcendência divina em relação aos ciclos de reciprocidade. A outra, mais interessante para o presente assunto, é aquela de que “Ele apanha os sábios na sua própria astúcia” (5:13), citadas por São Paulo num contexto em que exalta a sabedoria divina sobre a humana (1Co 3:19). Pouco antes, na mesma carta, ele havia dito que a sabedoria de Deus é loucura para os homens.

O que há de mais interessante, nessa citação, é de que ela é uma palavra de Elifaz, um dos amigos de Jó, um dos “ideólogos” que queriam que Jó se conformasse à situação e entendesse sua própria responsabilidade, o qual começa a falar no capítulo 4. Como pode ser assim, se o livro de Jó condena as palavras de Elifaz? Essas palavras ocupam uma posição irônica dentro do livro, o que mostra que Paulo foi um leitor atento: ao dizer que Deus apanha os sábios na sua própria astúcia, Elifaz foi apanhado por Deus. Aquelas palavras eram verdadeiras, mas não condenavam a Jó, e sim ao próprio Elifaz. A sabedoria de Deus não era uma que justificava o sofrimento.

É por isso que, penso, pessoas que tentam justificar o mal e o sofrimento no mundo à luz da justiça de Deus são leitores ruins do livro de Jó.

Rev. Gyordano M. Brasilino

A Casa do Morto (Dt 26:14)

Eu gosto bastante das Bíblias Almeida Revista e Atualizada (ARA) e Nova Almeida Atualizada (NAA). São as que eu mais uso no dia a dia. Mas, sempre que alguém me pergunta sobre elas, eu aponto um defeito: elas são as únicas traduções obcecadas em deixar claro que são evangélicas. (A NVT faz isso com os sacramentos, mas no geral é bem menos.)

Eu já mencionei aqui o caso de Gl 3 e 1Pe 2, em que uma delas ou ambas mudam “por nós” para “em nosso lugar”. Outro caso engraçado é Tg 2:14, em que elas mudam a pergunta “Pode a fé salvá-lo?” para “Pode semelhante (ou essa) fé salvá-lo?”. Não está errado em termos de doutrina, mas a pergunta literal é um pouco mais contundente. É totalmente desnecessário, mas elas querem fechar qualquer brecha para leitura diferente do texto.

Hoje eu percebi um outro caso, que é Dt 26:14. O contexto é a entrega dos dízimos do terceiro ano, que eram dados aos levitas e aos pobres. O texto orienta se fazer uma oração na qual, dentre outras coisas, o israelita afirma, diante de Deus, que não desviou o uso dos dízimos e, com base nisso, suplica a bênção de Javé.

O problema está em uma das sentenças. Veja várias traduções:

“nem disso dei para algum morto” (ARC)

“nem delas dei para os mortos” (ACF)

“dela não ofereci nada aos mortos” (NVI)

• “não ofereci coisa alguma dela aos mortos” (NVT)

“nem dei nenhuma parte como oferta pelos mortos” (NTLH)

“dele nada ofereci por um morto” (BJ)

“nada ofereci por um morto” (EP)

“delas nada dei a um morto” (AM)

Variação nas palavras, mas todas com basicamente o mesmo sentido (explico abaixo). Agora segura esta:

“nem deles dei para a casa de algum morto” (ARA/NAA)

A casa de algum morto? Como assim? Todas as outras versões evidenciam algum tipo de crença na possibilidade de interceder pelos mortos, seja indiretamente (levando comida ao sepulcro do morto), seja indiretamente (oferecendo comida a Deus em favor do morto). Ambos os tipos de crença e prática são bem atestados no mundo antigo, e ambos são traduções possíveis da expressão hebraica: ləmeṯ (לְמֵת) pode ser vertido tanto como “por um morto” como “a um morto”.

O texto em si é muito sutil para servir de argumento em favor da intercessão pelos mortos; afinal, é uma sentença negativa, num contexto bastante restrito. Serve apenas para mostrar que essa era uma prática conhecida.

No entanto, nem isso a ARA e a NAA toleraram. Inseriram a “casa de algum morto”, como se fosse um tipo de doação para uma família pobre cujo provedor morreu. Isso não funciona, porque o sentido daquele dízimo é justamente ajudar (também) os pobres, então não seria desvio. Essas traduções aproveitaram uma situação totalmente aleatória para reafirmar a ideia de que seus leitores não acreditam em intercessão pelos mortos.

Perdem, com isso, um indício bem primitivo da crença na “vida após a morte” entre os antigos israelitas.

Rev. Gyordano M. Brasilino

Em defesa do Deus das vinganças

Na experiência de Deus a partir das Escrituras Sagradas, existe um lado perturbador na representação de Deus, um lado que tremor e até certo mal-estar em quem tenha um coração mais compassivo. Esse lado evoca imagens de severidade e indignação.

O Salmo 94 celebra o Senhor como o “Deus das vinganças” (‘ēl-nəqāmôt).

É importante não procurar eliminar esse lado. É claro que essa não deve ser nossa imagem principal de Deus — não foi ela que se mostrou a nós na face de Cristo, senão a de um Deus que assegura o perdão e a hospitalidade —, assim como não deve ser também nosso ânimo central — como Cristo advertiu a Tiago e João, desejosos de lançar fogo castigador sobre a vila samartana.

Mas essa imagem revela algo muito importante sobre nós. Ele significa que nós, aqui embaixo, não estamos perfeitamente alinhados a Ele, lá em cima, e que, por isso, Deus está comprometido com a realização da justiça. São os mártires do Apocalipse de São João que, clamando nos céus, invocam a justiça divina contra a opressora Babilônia e, com isso, provocam a conversão das nações. Deus está contra as injustiças.

Brueggemann, desde uma perspectiva progressista — e portanto tendente a revogar essa concepção pela canetada intelectual do progresso ocidental —, adverte contra o perigo de eliminar esse lado.

Essa imagem aparece no próprio Cristo quando expulsa os vendilhões do Templo de Jerusalém, que haviam profanado o culto inserirem na dinâmica do dom (dar-receber-retribuir) um caráter mercantil, um “covil de ladrões”. O Deus que se zanga com os homens é necessário porque é um Deus que não está conformado aos nossos planos.

Essa imagem, que pode ser instrumentalizado como força opressora, também é poder de libertação.

Rev. Gyordano M. Brasilino

Como orar os Salmos?

Se Deus nos deu um livro de orações canônico, os Salmos, é porque ele quer que façamos uso dele. Na verdade, desde o princípio e ao longo dos séculos os cristãos sempre usaram os salmos, enriquecendo sua vida de oração em geral.

De certo modo, a resposta é: simplesmente leia (ou recite) os salmos com fé e esperança. A oração dos Salmos não deve ser um grande desafio na vida pessoal e particular, ou também comunitária, então as orientações dadas aqui são maneiras de melhorar a leitura. No fundo, você já sabe como fazer.

O corpo: Você pode orar os salmos de várias maneiras, mas uma particularmente apropriada é de pé, com o livro em mãos. Você também pode fazê-lo de joelhos (como vários salmos convocam a fazer). Com o tempo, você vai notar a diferença que faz a posição do corpo. Pessoas desacostumadas a orar de olhos abertos, geralmente pelo hábito de se limitar à oração extemporânea (“espontânea”), encontrarão algum desafio, mas o novo hábito vence, no médio prazo.

A voz: Ore os Salmos em voz alta. Usar a sua voz é uma maneira de concentrar a atenção, e de louvor a Deus com o corpo. Não se apresse demais, “deguste” cada verso, cada sentença. (Os versos dos salmos geralmente são divididos em duas partes paralelas.) E lembre-se: seja reverente, mas mostre vigor. Os salmos são cânticos de guerra.

A história: Cada salmo tem sua história, seu processo de formação, mas colocá-los em uma coleção, dentro do cânon, é dar forma a uma nova obra. Os salmos são a história de um povo em oração. São peregrinos em busca (e com saudade) da Cidade Santa, com espírito sedento pela presença divina e pelos tabernáculos do Senhor. São soldados e generais em guerra, procurando a proteção do Senhor contra os seus inimigos. São pecadores afligidos e contritos, penitentes. São adoradores manifestando louvor alegre e convocando toda a criação, na terra e nos céus, a adorar o Senhor. É um povo sofredor com a esperança do reino universal de Deus sobre todos os povos. Ao orar os salmos, nós nos colocamos como parte dessa história. Esteja consciente disso.

O espírito: os salmos devem ser orados com espírito de devoção e fé, não de estudo. É possível estudar os salmos, é importante fazê-lo, mas orar os salmos não é ficar procurando detalhes para satisfazer a curiosidade intelectual, mas encontrar neles aquilo que enriquece a nossa fé. Deixe o estudo dos salmos para um outro momento.

A contrição: Os salmos penitenciais são os salmos 6, 32, 38, 51, 102, 130 e 143. Esses sete salmos são particularmente importantes para confessarmos ao Senhor os nossos pecados. Quando algo que você fez lhe pesar à consciência, recite esses salmos (agora de joelhos), pedindo perdão ao Senhor. Como sempre pecados, esses salmos devem ser nossos companheiros de caminhada.

Há outros blocos que seria importante conhecer e usar em conjunto, como os salmos de entronização (especialmente 95-100) e o Halel (113 a 118), que são ótimos para adoração.

A apropriação: Como dito acima, nós somos parte dessa história que os salmos contam. Assim como Pedro em Atos 4:24-30, aproprie-se das palavras dos salmos nas suas próprias orações. O sentimento deve ser: o Deus dos salmos é o mesmo Deus que nós adoramos. Um exemplo de como fazer isso diz respeito à nossa batalha espiritual. Os salmos foram, vários deles, escritos em situação de guerra ou conflito com os inimigos. Mas, como aprendemos no Novo Testamento (Ef 6), nossos inimigos são espirituais, são os poderes das trevas, e é principalmente contra eles que devemos direcionar as armas dos Salmos. Essa batalha é mais óbvia no Salmo 91, mas os “salmos imprecatórios” devem ser usados assim também. Pense, por exemplo, nas palavras do Salmo 35:1-5, que, particularmente, me trazem bastante conforto. O Salmo 5 é uma bela oração matutina que pode ser empregada assim. Assim como os nossos maiores inimigos são espirituais, nosso maior aliado é Cristo, que ora conosco nessa batalha.

As aspirações: Versos isolados dos salmos são muito apropriados como orações breves, chamadas “aspirações”, que podem ser usadas ao longo do dia repetidas vezes, ou em momentos específicos, como no começo de alguma oração, antes da leitura da Bíblia etc. Alguns exemplos comuns:

  • “As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, Senhor , rocha minha e redentor meu!” (19:14)
  • “Salva o teu povo e abençoa a tua herança; apascenta-o e exalta-o para sempre.” (28:9)
  • “Praza-te, Senhor, em livrar-me; dá-te pressa, ó Senhor, em socorrer-me.” (40:13)
  • “Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem e me levem ao teu santo monte, e aos teus tabernáculos.” (43:3)
  • “Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável.” (51:10)
  • “Abre, Senhor, os meus lábios, e a minha boca manifestará os teus louvores.” (51:15)
  • “Sê exaltado, ó Deus, acima dos céus; e em toda a terra esplenda a tua glória.” (57:5)
  • “Mostra-nos, Senhor, a tua misericórdia, e concede-nos a tua salvação.” (85:7)
  • “Abre tu os meus olhos, para que veja as maravilhas da tua lei.” (119:18)

• A frequência: Use ao menos um salmo por dia, no começo. Depois que o hábito estiver firme, dois salmos (um pela manhã e outro à noite). Você pode usar o Salmo 95:1-7 (seguido do Salmo 96:9,13) pela manhã e o Salmo 141 à tarde/noite.

A constância: Use os salmos em todas as situações, mesmo quando nossos sentimentos não estão no lugar. Vários Salmos foram escritos em momento de intensa angústia (como o Salmo 88), mas eles são orações, ainda assim, e mostram como a oração deve ser feita mesmo quando não estamos em paz.

A conclusão: Costumamos terminar as orações dizendo apenas “Amém”, mas uma maneira de terminar os salmos é com alguma doxologia breve (como o “Glória ao Pai”). Uma forma fácil é, após finalizar o salmo, repetir algum verso que chame mais à sua atenção ou seja mais coerente com a sua situação. Aliás, os cinco blocos de salmos bíblicos são separados por quatro transições que são doxologias, e que podem ser usadas (de memória) quando concluímos algum salmo: Sl 41:13; 72:19; 89:52; 106:48. Depois, como sempre: Amém!

• A memorização: Todo cristão deveria conhecer alguns salmos de memória. Alguns salmos que seria interessante considerar memorizar: 23 (segurança), 24, 42-43, 46, 67, 91 (batalha espiritual), 95, 100, 113, 116 (gratidão), 130 (penitência).

• O compromisso: Os salmos apresentam uma forma de oração que não é natural para muitos cristãos, os “atos de fé”, “atos de confiança” e outros, orações geralmente breves nas quais, em vez de apenas pedir algo a Deus, nós nos posicionamos diante dele e afirmamos a nossa fé, nossa esperança, nosso amor, nossa devoção, nosso compromisso e outras coisas. Esse tipo de atitude exigirá, em algumas situações, certa ousadia, mas também serão uma forma de avivar nossa fé e reafirmar nossa lealdade ao Senhor, portanto são uma forma importante de adoração. Alguns exemplos:

  • “No tocante a mim, confio na tua graça;” (13:5a)
  • “Eu te amo, ó Senhor , força minha.” (18:1)
  • “Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do Senhor para todo o sempre.” (23:6)
  • Eu creio que verei a bondade do Senhor na terra dos viventes.” (27:13)
  • Aguardo o Senhor , a minha alma o aguarda; eu espero na sua palavra.” (130:5)

• A defesa: Os Salmos não são apenas deprecação, mas também defesa. Neles, não apenas afirmamos nossa culpa, mas também nossa inocência (“Lavo as minhas mãos na inocência”, 26:6), e, com isso, pedimos que Deus faça justiça diante da nossa situação (“Faze-me justiça, ó Deus”, 43:1). Essa ousadia é necessária numa vida espiritual equilibrada.

Experimente orar os salmos. Encontre nele uma história que, passando por montes e por vales, encontra ao fim sempre motivo de gratidão e para um cântico novo, um motivo para dizer: Aleluia!

Rev. Gyordano M. Brasilino

Mártires Expiadores

A chamada “teologia dos mártires” é um dos elementos do judaísmo do Segundo Templo que provavelmente influenciaram o cristianismo. Em síntese, essa doutrina ensina que aqueles que morriam zelosos da Lei, num tempo em que Israel estava sob a ira divina pela desobediência à Lei, por sua obediência extraordinária de entregar a própria vida, expiavam o pecado da nação.

A lógica às vezes parece ser de que, quando o castigo nacional e coletivo (a opressão pagã e idólatra) recai sobre os mártires inocentes, sua condição suscita a compaixão divina, seguindo aquela lógica, bem assentada no Antigo Testamento, de que nosso sofrimentos são instrumentais na misericórdia de Deus (“Considera as minhas aflições e o meu sofrimento e perdoa todos os meus pecados.“, Sl 25:18), mas agora segundo uma aplicação nacional. Assim como a punição da nação recai sobre eles, a misericórdia lançada sobre eles cobre a nação. Assim também, a nação estrangeira, ao se exceder na execução do juízo divino, atrai para si esse juízo.

2 Macabeus 7:30-38 | 30 …Eu não obedeço ao mandamento do rei! Ao mandamento da Lei, porém, que foi dada aos nossos pais por meio de Moisés, a esse eu obedeço. 31 Quanto a ti, que te fizeste o inventor de toda a maldade que se abate sobre os hebreus, não escaparás às mãos de Deus. 32 Porquanto nós, é por causa dos nossos pecados que padecemos. 33 E se agora, a escopo de castigo e correção, o Senhor, que vive, está momentaneamente irritado contra nós, ele novamente se reconciliará com os seus servos. 34 Mas tu, ó ímpio e mais celerado de todos os homens, não te eleves estultamente, agitando-te em vãs esperanças, enquanto levantas a mão contra os seus servos, 35 pois ainda não escapaste ao julgamento de Deus todo-poderoso, que tudo vê. 36 Nossos irmãos, agora, depois de terem suportado uma aflição momentânea por uma vida imperecível, morreram pela Aliança de Deus. Tu, porém, pelo julgamento de Deus, hás de receber os justos castigos por tua soberba. 37 Quanto a mim, como meus irmãos, entrego o corpo e a vida pelas leis de nossos pais, suplicando a Deus que se mostre logo misericordioso para com a nação e que, mediante provas e flagelos, te obrigue a reconhecer que só ele é Deus. 38 Possa afinal deter-se, em mim e nos meus irmãos, a ira do Todo-poderoso, que se abateu com justiça por sobre todo o nosso povo!

Rev. Gyordano M. Brasilino

Moisés, o deus de Arão

Em dois textos bíblicos, Deus diz que Moisés é o Deus de Arão, e que Arão é o seu profeta. Os textos são:

☩ Êxodo 4:16
“Ele falará por ti ao povo;
ele te será por boca,
e tu lhe serás por Deus
[ĕlōhîm].”

☩ Êxodo 7:1
Então, disse o Senhor a Moisés:
Vê que te constituí como Deus
[ĕlōhîm] sobre Faraó,
e Arão, teu irmão, será teu profeta.

Quando lemos textos assim, nossa pergunta não deve ser apenas o pelo que as palavras significam imediatamente, mas também pelo mundo de significado ao qual elas pertencem. Nesses dois textos, temos parte da explicação da função do profeta, mas, indo além disso, temos a explicação de uma hierarquia funcional entre dois profetas, Moisés e Arão.

No primeiro caso, Moisés alega ser “pesado de língua”. Deus poderia ter escolhido, então, a Arão em seu lugar, mas ele coloca Arão como o profeta de Moisés, como alguém que o complementa em sua missão, falando às pessoas em seu lugar. Arão é o representante de Moisés, assim como Moisés é o representante de Deus. Assim como Deus é o Deus de Moisés, Moisés é o Deus de Arão.

A tradição eloísta, da qual esses textos participam, retrata Deus como distante, sem contato direto com os homens, aparecendo através de figuras que o simbolizam, como profetas e anjos, além de outros sinais. Deus está acima e além. É interessante que, nesse contexto, Moisés não seja representante de Deus apenas no que Deus fala, mas também em como Deus se comporta. Deus é difícil — a palavra para “pesado” (kāvēḏ) é da mesma raiz da palavra “glória” (kāvôḏ) —, então Moisés é difícil também, e é preciso um segundo profeta, um segundo intérprete, o sacerdote Arão. O profeta e o sacerdote são representantes-intérpretes, mas o profeta está mais perto de Deus, e o sacerdote, mais perto dos homens, numa relação fractal. Isso é consistente com a função do sacerdote de ser mensageiro de Javé (Ml 2:7). A “língua pesada” de Moisés não é gratuita, mas desempenha um papel simbólico no texto.

A subida ontológica têm seus ruídos, e o profeta o condutor.

Aí está uma cosmologia hierarquizada, na qual as ordens superiores são representadas pelas inferiores, pouco explorada explicitamente no Antigo Testamento, mas garantida em toda parte. Nesse sentido, Moisés é o ícone de Deus, e é assim também que depois o tema da representação reaparece no Novo Testamento, particularmente em Paulo, na literatura joanina e em Hebreus.

Em 2Co 3, em particular, essa relação é posta explicitamente com todo vigor: o apóstolo é o representante-intérprete que, por ter contato com a face de Cristo, resplandece a sua glória para os homens: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito.” (2 Coríntios 3:18)

Rev. Gyordano M. Brasilino

Parônimos criativos

Um dos indícios de que o livro do Gênesis não deve ser tomado literalmente como relato histórico está na própria gramática do texto. Há certos traços que desaparecem quando o texto é lido nas línguas modernas, mas que são parte da riqueza do texto na língua de origem.

Se você perguntar a um muçulmano qual língua Adão e Eva falavam, talvez você receba a resposta de que eles falavam árabe. Isso nos parecerá estranho, como uma cultura se colocando na raiz e no centro de todas as outras. Se você pergunta a um judeu, talvez ouça coisa semelhante: a língua original era o hebraico. Um dos motivos dessa lógica é a própria forma dos textos sagrados dessas religiões. O Gênesis usa vários trocadilhos em hebraico, dando a entender que a língua dos personagens ali é realmente o hebraico, já que os trocadilhos não se preservam em línguas suficientemente distantes. (Razão por que quem lê em português não faz ideia da existência dos trocadilhos na maioria dos casos.)

As línguas semíticas, em particular, favorecem muito o uso de trocadilhos, já que o principal processo de formação de palavras é através de raízes trinconsonantais, que preservam um mesmo sentido nuclear em palavras diferentes; então a semelhança sonora entre palavras diferentes tende a não ser apenas coincidência, mas uma etimologia comum. Ou seja, a estrutura gramatical do hebraico favorece a paronomásia. (Na prática, há muita pseudoetimologia, mas isso é irrelevante. O que importa é que os falantes pensem que a mesma raiz é usada.)

O uso da paronomásia no Antigo Testamento é tão importante que ele até inspira a forma de várias profecias e visões do Antigo Testamento – às vezes, a relação entre o que o profeta vê e o significado da visão se dá através da ligação das palavras.

Isso acontece várias vezes no livro do Gênesis. Os personagens recebem seus nomes a partir das suas origens ou daquilo que se origina deles:

• Adão é tirado do solo, porque ‘ādām (homem) e ‘ădāmâ (solo) têm (para os falantes) a mesma raiz.

• Eva é chamada de “mãe de todos os viventes”, porque “Ḥawwâ” (Eva, vivente) e ḥay (vida) parecem ter a mesma raiz.

• A mulher é assim chamada (‘îššâ) porque procede do homem (‘îš). É fácil ver como essa relação etimológica inexiste no português corrente ou na maioria das línguas. (Ela se preserva no português mais arcaico: varão, varoa.)

Isso não afeta só o nome dos personagens, mas o próprio enredo. Um caso famoso é a transição de Gn 2:25-3:1. Em Gn 2:25, lemos que Adão e Eva estavam “nus” (sg. ʿārôm) e, no versículo seguinte, aparece a serpente como “astuta” ou “inteligente” (ʿārûm). Não é muito coerente que a nudez (desproteção) de uma pessoa convide à astúcia de outra? O contraste entre as duas palavra, assim como a semelhança quase-etimológica, sugeriram a narrativa para o hebreu que escreveu essa história.

Isso significa que o texto é construído por um falante de hebraico que modela a história a partir de sua própria língua. Então das duas uma: ou a história realmente aconteceu em hebraico e todos os falantes (inclusive Deus) usavam essa língua; ou a história não aconteceu da maneira como está ali, e deve ser lida de maneira simbólica.

Rev. Gyordano M. Brasilino

O que é concupiscência?

O ser humano é uma criatura aberta, criada para a comunhão com Deus.. Do mesmo modo como nossos corpos dependem, para sua subsistência, de um alimento natural que surge fora de nós e que nós não produzimos (com um desejo correspondente), nossa alma depende de uma realidade espiritual que nós também não produzimos.

Essa vida de Deus na alma é necessária para nossa felicidade. Nós fomos criados por Deus com essa vida, em comunhão com Deus — não da maneira mais perfeita possível (pois era perdível e reversível), mas de maneira suficiente para nós naquele momento. O homem pecou e reverteu, rejeitou o dom sobrenatural da graça.

Essa diferença de condições é indicada alegoricamente pela segunda narrativa da Origem (Gn 2–3): o homem é criado da terra (condição inferior, natureza) e então colocado no jardim no Monte de Deus (condição superior, graça); quando come da árvore do conhecimento do bem e do mal, ele é expulso do jardim e retorna à condição inferior, na mortalidade, deixado à suas próprias forças (“Com o suor de teu rosto…“). Ele perdeu parcialmente acesso à condição primeira (“justiça original”), e parte da lógica sacrificial (que já aparece em Gn 4) é o retorno simbólico à Origem.

Essa perda da condição original nos afeta de várias maneiras, como trazendo a mortalidade fatal (o afrouxamento do vínculo entre a alma e o corpo). Nossos desejos precisam dessa comunhão com Deus para serem guiados na direção correta. Note bem: falo de “desejos” (as paixões da alma que nos atraem na direção de certo prazer e satisfação), não de “vontade” (escolha) — são palavras facilmente confundidas no discurso comum.

Sem a comunhão divina, nosso desejos não sabem o orientar corretamente, e acabam buscando, além das coisas necessárias (comida, bebida, respiração, propósito etc), coisas desnecessárias que nos afastam das mais elevadas, ou buscam as coisas necessárias do jeito errado.

Uma palavra comum para designar o desejo é concupiscência (epithumia). “Ela designa qualquer tipo de desejo. Não é uma palavra má em si mesma, embora nós normalmente a usemos quando falamos de desejos desordenados. Em Gl 5:17, lemos que o Espírito/espírito cobiça (epithumei) contra a carne, por exemplo. Quando você sente desejo de beber água porque seu corpo precisa, isso é “concupiscência boa”, ou seja, um desejo bom, necessário e natural. A Bíblia condena a “concupiscência má” (epithumia kakē, Cl 3:5). Esses desejos são, em conjunto, desligados como “membros terrenos” (ta melē ta epi tēs gēs, Cl 3:5), em associação à condição inferior e “animalesca” (como descreveu S. Gregório de Nissa).

Esses desejos apontam nas mais diferentes direções, com graus variados de força. Essa concupiscência não é pecaminosa em si mesma. A concupiscência só poder chamada de “pecaminosa”, ou se dizer que ela tem a natureza do pecado, no sentido analógico de que, através dela, o diabo nós propõe o pecado, que “jaz à porta“. A concupiscência só é pecado quando consumada (Tg 1:14–15). Como Cristo ensina, o adultério interior de um homem acontece quando ele olha uma mulher “para a desejar“, isto é, a concupiscência se une à vontade.

Nessa condição, cada ser humano que vem ao mundo nasce alienado de Deus, sem comunhão com ele, até o momento em que essa comunhão é recebida. O diabo não fica simplesmente olhando. Em razão do pecado, a humanidade se vendeu ao império do diabo.

Aquilo que o NT chama de “carne” (principalmente S. Paulo e S. João) eu gosto de chamar de “coisa-humana”. Não é a natureza humana apenas, mas a natureza humana como coisa dominável. É uma sinédoque (do tipo “pars pro toto”), que se refere à natureza humana, mas com uma ênfase particular. É a natureza humana objetificada, comestível e comprável, por isso o nome “carne” (a humanidade nomeada a partir da sua parte mais baixa).

Essa palavra “carne” designa o ser humano com desejos desordenados e debaixo do império da morte. Ou seja, a tentação interna resulta de nossa própria confusão espiritual (por ausência da comunhão com Deus) e por tentação do Tentador e Sedutor de todo o mundo.

Rev. Gyordano M. Brasilino

Um Messias divino no Antigo Testamento?

Sim, porém… mais ou menos.

Há várias coisas no AT que se unem para formar a imagem do que nós HOJE somos capazes de identificar como um Messias-Deus. Não existe um texto que diga explicitamente que o Messias é Deus — na verdade, a própria figura do Messias aparece em pouquíssimos lugares no AT. Mas há coisas que sutilmente, lidas de certa forma, apontam nessa direção.

1. Binitarianismo. Os especialistas identificam no AT um dualismo divino que geralmente é chamado de “binitarianismo” — mas num sentido diferente do trinitarianismo — ou, como os rabinos da Antiguidade chamavam (e rejeitavam), os “Dois Poderes no Céu”. A ideia basicamente é de que havia um culto duplo a Javé e ao Anjo de Javé, que carrega o seu nome (“o meu nome está nele”, Êx 23:21). Como teofanias, os cristãos identificaram o Anjo de Javé como sendo o Verbo de Deus. A versão oficial do judaísmo rabínico suprimiu essa doutrina como sendo uma “heresia” (minim). Isso é importante para mostrar o quão amplas podiam ser as concepções de Deus no Antigo Testamento, muito diferentes de um “monoteísmo estrito”.

2. A visitação de Javé. Há vários textos no AT, particularmente nos profetas (há um caso importante em Levítico 26), em que se fala de uma visitação que Javé faria ao seu povo, trazendo sua presença e habitando entre eles. Essa vinda de Javé é tratada messianicamente (em sentido amplo) no AT, embora o próprio Messias não seja mencionado. Por exemplo: “Canta e exulta, ó filha de Sião, porque eis que venho e habitarei no meio de ti, diz o Senhor.” (Zacarias 2:10). Essa noção é bastante explorada pelo Evangelho de Lucas: como eu gosto de dizer, Lucas não tem uma doutrina da Encarnação; ele tem uma doutrina da Visitação.

3. A figura do Filho do homem apocalíptico. O caso mais importante é Daniel 7, mas a imagem é bastante desenvolvida na literatura apócrifa (como 1 Enoque). O Filho do homem é uma figura que reina (como o Messias) e, ao mesmo tempo, tem características divinas — por exemplo, a expressão “eis que vinha com as nuvens do céu” (Dn 7:13) sempre indica Deus no AT.

4. O culto ao rei. Assim como um Faraó, o rei de Israel era cultuado pelo povo como um filho de Deus: “…inclinaram-se e prostraram-se perante o Senhor e perante o rei.” (1Cr 29:20). Isso se conecta com as teofanias porque o rei era, assim como o anjo, um representante sacerdotal de Deus. Alguns textos, como o Salmo 110 e o bloco final de Ezequiel (sobre o Templo), falam mais detidamente do papel sacerdotal do rei. Isso é importante porque o Messias é o sucessor e continuador da linhagem dos reis de Judá.

Rev. Gyordano M. Brasilino