O que é ser um fariseu?

Há uns dias, eu vi alguém dizer que Cristo não condenou a doutrina dos fariseus, somente a sua hipocrisia. Bom, segundo o Evangelho de São Mateus, Cristo condenou “a doutrina dos fariseus” (Mt 16:12).

É claro que ele não condenou tudo no que os fariseus acreditavam — eles, assim como nós, acreditavam na ressurreição, acreditavam na vida eterna, acreditavam nas Escrituras Sagradas dos profetas. Mas havia algo em sua doutrina que melava tudo. O que nos detém aqui não é um retrato histórico detalhado dos fariseus, mas o seu retrato canônico.

Quando vemos o retrato dos fariseus nos evangelhos, há um traço em comum, condenado por Cristo: sua incapacidade de conectar, na doutrina, o amor a Deus ao amor ao próximo. Essa era uma das ênfases do ensinamento de Cristo, segundo o qual nossas ofertas a Deus só terão valor quando procurarmos o perdão do irmão (Mt 5:23-24).

Assim, em Mateus 9:11-13, os fariseus reprovam a atitude de Cristo de comer com pecadores, e Cristo apela para o dito profético: “Misericórdia quero, e não sacrifício”. Em outras palavras: o maior gesto de adoração a Deus é a misericórdia. Os fariseus sabiam, muito bem, que as esmolas eram como sacrifícios e tinham por recompensa o perdão divino, um ensinamento judaico onipresente no período do Segundo Templo e no rabinato posterior. Mas faltava reformar toda a sua prática religiosa à luz da verdade fundamental enunciada por Cristo.

Em Marcos 7, os fariseus reprovam os discípulos de Cristo por comerem com “mãos impuras”. Segundo Cristo, eles usavam o cumprimento de uma obrigação religiosa para com Deus (a oferta) para suprimir uma obrigação piedosa para com os pais (a honra), dispensando um mandamento menor (a honra aos pais) através de um mandamento maior (a adoração a Deus), mas somente porque sua tradição lhes ensinava assim. Segundo Cristo, eles faziam “outras coisas semelhantes” (v. 13). Por que Cristo dá justamente essa resposta, se o assunto era a pureza das mãos? Porque, mais uma vez, o assunto da pureza das mãos revelava a desconexão entre o amor a Deus e o amor ao próximo.

Em Mateus 23:23-24, Cristo os reprova por prestarem culto a Deus através das mínimas coisas — uma prova de sua meticulosidade, detalhamento, zelo —, mas esqueciam as mais importantes: “a justiça, a misericórdia e a fidelidade”.

Na famosa Parábola do Fariseu e do Publicano (Lc 18:9-14), o fariseu é retratado como alguém de religião eloquente, que faz uma oração que todos nós aprendemos a fazer, de um sabor espiritual agostiniano: dá graças a Deus por sua vida espiritual, pelo que tem, pelo que vive. Mas essas palavras vêm, desde o começo, misturadas com o veneno do julgamento: “não sou como os demais homens”. Seu culto a Deus consistia em desprezo à humanidade.

Assim como nós, os fariseus sabiam que os mandamentos não eram todos iguais, que alguns mandamentos eram mais importantes do que outros. Mas eles pensavam como se um mandamento maior pudesse ser motivo para derrogar o menor, como se o zelo extremo para com Deus pudesse justificar um desprezo para com o próximo. O farisaísmo é uma “heresia” sobre a hierarquia dos mandamentos de Deus.

Até hoje, o espírito farisaico sobrevive entre os cristãos.

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