A Espada do Éden

“Querubins e a Espada Flamejante,” J. Kirk Richards

O livro do Gênesis conta que, quando Adão e Eva foram expulsos do Éden, foi colocada uma espada gloriosa, juntamente com querubins, para proteger o caminho da entrada (oriente) até a Árvore da Vida.

Alguém perguntou o que significa essa espada, na leitura alegórica.

Diversos símbolos têm uma natureza dual. Dois dos mais comuns são o fogo e a água. Ambos significam morte e vida, mas de maneiras inversas. O sentido dominante da água é realmente vida (bebida, irrigação, limpeza, renovação), mas ela pode facilmente significar também morte e destruição (a enchente, a correnteza indomável, o dilúvio, os monstros marinhos). A água se torna o seu contrário quando se torna um excesso incontrolável, então ela é um símbolo da lei natural, da temperança, da moderação.

O fogo, por outro lado, tem o sentido básico de destruição: ele sobrevive queimando, sua força vem do ato de consumir, e sua fome nunca acaba. A aparência do fogo imita a sinuosidade da serpente. Mas ela também o faz gerando calor e luz, repelindo inimigos noturnos, cauterizando feridas, moldando instrumentos. Então é um símbolo do perigoso e invencível que, no entanto, pode ser dominado. A água está conosco desde sempre (pense nos rios que saem do Éden), ela está em nós, mas o fogo é uma descoberta, uma novidade. Ela é, por isso, um símbolo da cultura, da inventividade, da transformação, com todos os problemas atrelados.

A espada é um símbolo aparentado do fogo. A espada foi criada para ferir e, portanto, para matar, mas justamente por isso ela pode ser invertida e ser usada para proteger. A melhor espada é a que nunca é usada. Então ela compartilha com o fogo a dualidade morte-vida (o inverso da água).

A espada do jardim é uma espada flamejante (lāhaṭ haḥereḇ). Ao menos assim é que a expressão é entendida na Septuaginta (phloginē romphaia, “espada longa flamejante”) e pela Vulgata (flammeus gladius, “gládio flamejante”). A palavra “lāhaṭ” também é entendida, em Êx 7:11, como “encantamento”. Os querubins também são apresentados, em outras partes da Bíblia (particularmente em Ezequiel), como seres flamejantes.

Fílon viu no sol e nos querubins um simbolismo astronômico (“a espada flamejante é simbolo do Sol”, Dos Querubins 26), mas ao mesmo tempo o Logos (“a espada flamejante é símbolo do Logos“, Dos Querubins 28), que foi concebido antes de tudo e está em tudo. Essa ligação Sol-Logos é muito conveniente à imagem bíblica da Palavra divina como luz para o Caminho, já que a espada está no Caminho para guardá-lo.

Em continuidade com o que São Paulo ensina na Segunda Carta aos Coríntios, devemos ver na Palavra como a temos hoje — que Fílon não tinha, mas antevia —, esse simbolismo do fogo: ela primeiro destrói e consome (a Antiga Aliança), para então proteger e vivificar (a Nova Aliança). Enquanto o povo de Israel da Antiga Aliança assume sua identidade ao atravessar o Rio (o Vermelho ou o Jordão), o evento inaugural da Igreja (continuamente chamada de “Caminho” nos Atos dos Apóstolos), da nova realidade comunitária, é o fogo do Pentecostes.

O fogo e o cutelo (Gn 22:6) aparecem juntos também no holocausto de Isaque, que prenuncia o de Cristo. São instrumentos de sacrifício.

O propósito da espada é guardar (šāmar) o caminho do Éden, uma missão originalmente dada a Adão (Gn 2:15). Ela consistia no duplo dever sacerdotal de lavrar (ʿāḇaḏ) e guardar (šāmar). Quando, no entanto, o casal é expulso do jardim, eles são levados a lavrar (ʿāḇaḏ, 3:23) a terra comum da qual foram criados, enquanto cabe agora à espada, juntamente com os querubins, guardar (šāmar). O pecado leva a um rompimento, a uma dualidade, a um “corte” na missão de Adão, que perde o seu caráter sagrado pleno. O trabalho de lavrar estava, originalmente, inserido no lugar sagrado, no centro do mundo, mas agora ele é lançado no Oriente. Adão perdeu a dotação sobrenatural de que havia sido coroado, e ela agora está com a espada.

A espada do Éden tem, portanto, vários sentidos. Ela significa, acima de tudo, Cristo, o Logos, que é luz para o Caminho, que inaugura o “novo e vivo caminho”, no qual podemos nos alimentar da Árvore da Vida (Eucaristia), rodeada de querubins (sacerdotes).

Ele é o Novo Abraão, o Novo Isaque, que se oferece em sacrifício e nos dirige ao banquete. Cristo é o Novo Adão, que cumpre agora a missão hierática perdida pelo Primeiro Adão, na qual nós nos reencontramos com nós mesmos.

Mas a única maneira é deixa para trás o nosso campo da lavra, o mundo, o manifesto, e abraçar o invisível, o oculto, o imensamente perigoso, que não nos permite passar sem nos matar. Mas aí morte é vida. Quem quiser, pois, salvar a sua vida, a perderá. Mas quem perder a sua vida, esse a encontrará.

Rev. Gyordano M. Brasilino