Sobre a obrigação moral de contar piadas

A religião cristã é conhecida por muitas coisas, mas não por ser uma grande incentivadora histórica do humor. As posições cristãs mais influentes costumam ser caracterizadas entre a moderação pessimista e a rejeição quase total da risada. A tradição de livretos místicos e manuais ascéticos tem muitas palavras a dizer contra a gargalhada. Somente uma pessoa obstinada em caracterizar o cristianismo como inimigo da vida e do prazer, como obcecado com a dor e a agonia, não perceberá que há muita sabedoria nessas posturas. São Tomás de Aquino escreveu que “uma tristeza imoderada é doença da alma, porém uma tristeza moderada pertence à boa condição da alma, segundo o estado da vida presente.” (ST I-II q59 a3 ad3).

Isso não significa que devamos estar sempre tristes, mas que há algo de saudável em alguma tristeza que nos leve a pensar a vida mais seriamente, e que emerja de uma consideração atenta para com os sofrimentos de outras pessoas e nossas próprias debilidades. Afinal, “converta-se o vosso riso em pranto” (Tg 4:9) não é uma exortação que os pecadores devam negligenciar. Mas essa tristeza moderada não é alcançada sem consolações que nos ajudem a evitar a tristeza imoderada, que são também coerentes com a jocosidade moderada que nossa saúde também exige. Dentre essas consolações está o riso.

No Auto da Compadecida, lá pelas tantas do julgamento das almas, enquanto o Encourado (o diabo) brigava com o sacristão, João Grilo interrompe, contribuindo com a acusação, e é repreendido por Manuel (Cristo). O diálogo segue assim, com Cristo comparando o sacristão ao diabo:

Manuel
Deixe a acusação para o colega dele.

Sacristão
Colega?

Manuel
É brincadeira minha, mas, depois que João chamou minha atenção, notei que o diabo tem mesmo um jeito assim de sacristão.

Encourado
Protesto contra essas brincadeiras! Aqui é um lugar sério.

Manuel
Calma, rapaz, você não está no inferno. Lá, sim, é um lugar sério. Aqui pode-se brincar. Acuse o sacristão.

Numa feliz inversão, o diabo é o puritano da história, enquanto Cristo é o bem-humorado, totalmente no controle da situações, escarnecendo do diabo. “O Senhor zomba deles” (Sl 2:4). Discutindo sobre a modéstia, o mesmo São Tomás escreveu (ST II-II q168 a2):

“Assim como o homem necessita de repouso corporal para o reabastecimento do corpo, que não pode trabalhar continuamente, devido à sua força finita, que é ordenada a tarefas determinadas; assim também quanto à alma, cuja força também é finita e ordenada a operações determinadas; e assim, quando se estende além de seus limites em algumas operações, ele trabalha e, por isso, se fatiga, especialmente porque nas operações da alma o corpo também trabalha, na medida em que a alma, ainda que intelectual, utiliza-se de forças que operam através dos órgãos corporais. No entanto, os bens sensíveis são conaturais ao homem. Portanto, quando a alma se eleva acima dos objetos sensíveis, se dedicando às obras da razão, surge daí uma certa fadiga psíquica, quer o homem se dedique às obras da razão prática, quer da especulativa. No entanto, a fadiga é maior se ele se dedicar às obras de contemplação, pois assim se eleva mais acima dos sensíveis, embora possa ser que em algumas obras exteriores da razão prática haja mais trabalho corporal. Em ambos os casos, no entanto, alguém se fatiga mais psiquicamente quanto mais se dedica às obras da razão. Assim como a fadiga corporal é aliviada pelo repouso do corpo, assim também a fadiga psíquica deve ser aliviada pelo repouso da alma. O repouso da alma, porém, é o deleite, como já foi mencionado quando se tratou das paixões. Portanto, é necessário aplicar um remédio contra a fadiga psíquica por meio de algum deleite, interrompida a intenção de se dedicar ao estudo da razão. Assim como, na colação dos Pais, é lido que o bendito evangelista João, quando alguns se escandalizaram ao encontrá-lo brincando com seus discípulos, mandou um deles, que estava com um arco, atirar uma flecha. Quando ele fez isso várias vezes, perguntaram-lhe se poderia fazer isso continuamente, ao que ele respondeu que, se o fizesse continuamente, o arco se quebraria. Então, o bem-aventurado João sugeriu que da mesma forma a mente humana se quebraria se nunca relaxasse de sua intenção. Tais ditos ou feitos, nos quais apenas o deleite psíquico é procurado, são chamados de lúdicos ou jocosos. Portanto, é necessário recorrer a essas coisas às vezes, como que para uma certa tranquilidade da alma. E é isso que o filósofo diz, na Ética a Nicômaco, Livro IV, que nesta vida, há momentos de descanso misturados com brincadeiras, e por isso é necessário recorrer a essas coisas de vez em quando.”

Há nessas palavras uma sanidade que reconhece as condições presentes da existência humana e sua corporeidade. É com base nisso que São Tomás conclui que a atividade de jogar pode ser virtuosa, que evitaria uma diversão imoderada. Devemos nos lembrar aqui do Salmo 126, em que o riso do povo de Deus é a reação à libertação divina. Mais adiante, discutindo se a atividade dos comediantes seria má, ele respondeu (a3 ad3):

O entretenimento [ludus] é necessário para a convivência na vida humana. No entanto, para todas as coisas que são úteis para a convivência humana, certos ofícios lícitos podem ser designados. Portanto, até mesmo o ofício dos atores, que é ordenado a proporcionar divertimento [solatium] às pessoas, não é ilícito em si mesmo, nem estão em estado de pecado, desde que usem o entretenimento moderadamente, ou seja, sem usar palavras ou ações ilícitas no entretenimento, e não empregando o entretenimento em negócios e momentos impróprios.”

Por fim, dentro da mesma questão, ele ainda escreveu (a4 co):

“Tudo o que vai contra a razão nos assuntos humanos é vicioso. E é contra a razão que alguém se apresente como um fardo para os outros, por exemplo, quando não oferece nada agradável e até mesmo impede o prazer dos outros… Por outro lado, aqueles que falham no entretenimento [in ludo], nem dizem nada engraçado [ridiculum], também são vistos como irritantes, porque, de fato, não toleram o entretenimento moderado dos outros. Portanto, tais pessoas são viciosas e são chamadas de rudes e ásperas, como o filósofo diz no Livro IV da Ética a Nicômaco.”

Eis a obrigação moral de contar piadas e de fazer os outros rirem. Nunca diz nada que alivie os outros? É vicioso. O riso não é só parte da vida humana, mas é parte da vida comunitária, da maneira como ajudamos outras pessoas a aliviar o seu cansaço, o seu peso. Fazer rir, de maneira virtuosa, é uma pequenina obra de misericórdia contra o fardo da vida. Se é verdade que Cristo repreendeu “vós que agora rides” (Lc 6:25), falando dos poderosos, não deixou de prometer também aos que choram um riso escatológico: “haveis de rir” (Lc 6:21). O riso é escatológico. É a alegria no fim da história, uma alegria que muda tudo. Quem sabe não seja o riso hoje, o riso santo, um pequeno sinal da alegria eterna, do repouso de todas as nossas dores? Quem sabe o Senhor não nos conceda a graça de rir do diabo?

Rev. Gyordano Montenegro Brasilino

Os Dez Mandamentos da Burrice

Por trás de cada mandamento, existe um princípio de bom senso, mas numa versão enlouquecida, assumindo a forma de uma falácia — a maioria é generalização. Para maximizar a burrice, devemos pensar da seguinte maneira:

1. A Trivialização: É óbvio pra mim, então não pode estar errado.

2. A Inteligência Máxima: Eu não entendi, então está errado.

3. A Culpa Coletiva: Um fez, então todos fizeram.

Corolário: Todo mundo que discorda de mim é igual.

4. O Monopólio da Iluminação: Os inteligentes pensam como o meu grupo pensa.

Corolário: Só preciso aprender com o meu grupo.

5. O Monopólio da Sinceridade: Quem é sincero concorda comigo.

6. A Teimosia Universal: Quem discorda de mim é cabeça-dura.

7. O Pragmatismo: Minha ideia dá bons resultados, então ela é certa.

Corolário: Não preciso considerar bens que minha ideia impede.

8. O Empirismo Radical: Eu nunca vi, então não existe.

Corolário: Sempre foi assim durante a minha vida, então sempre foi assim.

9. O Romantismo Épico: Eu sinto, então nada mais importa.

10. O Radicalismo: Quem não é radical como eu, está indo na direção do radicalismo oposto (não existe moderação).

O interessante dos mandamentos da burrice é que eles mostram que a burrice leva a praticar injustiças.

Rev. Gyordano M. Brasilino