Em várias situações, Jesus se dirigiu especificamente aos Doze quando falou, como quando ele disse que os colocaria em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel (Mt. 19:28 par.). Mas em outros momentos, embora Jesus tenha também falado diretamente aos Doze, o leitor moderno pode se sentir tentado a se imaginar como o destinatário original das palavras de Jesus, por qualquer motivo que seja, mas sempre por desatenção para com o próprio texto.
Embora certas figuras da Escritura como Paulo, Timóteo e Barnabé sejam eventualmente chamados de apóstolos, Jesus designou inicialmente apenas doze com esse nome, aos quais concedeu prerrogativas especiais, tão grandes que o Apocalipse atribui aos doze o lugar de fundamentos da Nova Jerusalém.
Lc. 6:13: “E, quando amanheceu, chamou a si os seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu também o nome de apóstolos:”
Mc. 3:14,15: “Então, designou doze para estarem com ele e para os enviar a pregar e a exercer a autoridade de expelir demônios.”
Ap. 21:14: “E o muro da cidade tinha doze fundamentos, e neles os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro.”
Por isso, não se pode simplesmente presumir que vale para mim aquilo que Jesus disse apenas aos apóstolos. A lista poderia ser maior, mas quatro coisas precisam ser ditas, as quais dizem respeito precisamente à autoridade dos apóstolos.
1. Ide
Mt. 28:16-20: “Seguiram os onze discípulos para a Galiléia, para o monte que Jesus lhes designara. E, quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram. Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.”
Tecnicamente, Jesus nunca disse “ide”, dado que a tradução mais próxima de poreuthentes é “indo”; o imperativo não é “ide”, mas “fazei discípulos” (mathēteusate). Ainda assim, Jesus falou especificamente aos doze — onze, com Judas já morto — quando transmitiu essa ordem de evangelização mundial. Ele tinha outros discípulos, inclusive as mulheres que transmitiram a notícia da ressurreição, mas escolheu tratar especificamente com os doze.
2. Quem vos recebe, a mim me recebe
Mt. 10:1,40: “Tendo chamado os seus doze discípulos, deu-lhes Jesus autoridade sobre espíritos imundos para os expelir e para curar toda sorte de doenças e enfermidades. Quem vos recebe a mim me recebe; e quem me recebe recebe aquele que me enviou.”
Esse dito de Jesus dá substância ao seu mandato de pregação. Jesus não envia seus discípulos apenas como mensageiros, mas dá a eles uma autoridade especial como seus lugar-tenentes, o que é, propriamente, o sentido da palavra “apóstolo”. Rejeitar aos apóstolos seria, assim, rejeitar ao próprio Cristo. O mesmo dito aparece em uma forma ligeiramente diferente em Lc. 10:16, no qual ele se aplica não aos doze, mas aos setenta aos quais Cristo deu, como aos doze, autoridade especial para o anúncio do Evangelho.
3. O que ligardes na terra será (terá sido) ligado no céu
Mt. 16:19: “Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus.”
Mt. 18:18: “Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado nos céus.”
Não, esses textos não tem nenhuma relação com “ligar” algo em oração. O poder das chaves é a autoridade pastoral conferida aos apóstolos, prometido primeiramente a Pedro e depois aos demais. Era uma autoridade que estava nas mãos dos líderes judaicos, mas que Jesus transferiu para os seus discípulos, como conta a Parábola dos Lavradores Maus, especialmente na versão mateana (Mt. 21:33-46 par.). A versão joanina do dito (Jo. 20:23), bem modificada, também se refere, contextualmente, aos doze.
4. Fazei isto em memória de mim
Lc. 22:19: “E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim.”
Como eu observei em dois textos anteriores (aqui e aqui), quando Jesus disse “fazei isto”, não se refere a comer a Ceia do Senhor; no texto, ninguém havia comido nada ainda. Refere-se a consagrar os elementos (dando graças, partindo e entregando), o que ele havia acabado de fazer. Foi aos doze apóstolos, e não a outras pessoas, que Jesus concedeu incumbência de realizar essa função.
Embora a versão lucana da narrativa da Instituição — a única nos Evangelhos que preserva as palavras “fazei isto em memória de mim” — não faça menção explícita aos doze, nela se encontra o dito das doze tribos e da autoridade sobre o reino (Lc. 22:29,30), que o paralelo mateano (Mt. 19:28) associa aos doze apóstolos. Os outros sinóticos são explícitos em dizer que Jesus ceou com os doze (Mt. 26:20; Mc. 14:17).
G. M. Brasilino
Interessante. Mas qual a consequência prática dessa aplicação? A ordem sobre a Ceia estava restrita aos apóstolos e a ninguém mais após a morte deles?
CurtirCurtido por 1 pessoa
Jesus conferiu aos apóstolos a incumbência de pregar, batizar, celebrar a Ceia e disciplinar, dentre outras coisas. Os apóstolos, por sua vez, instituíram outras pessoas com a responsabilidade pastoral (cf. At. 14:23; Tt. 1:5). Falando especificamente da Ceia, uma vez que ela preserva o vínculo espiritual da Igreja (1Co. 10:17), ela está entre as funções que foram delegadas pelos apóstolos; do contrário, não haveria Igreja onde não houvesse apóstolo presente.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Foi o que pensei. Obrigado.
CurtirCurtido por 1 pessoa
O 12º apóstolo seria Matias?
Como fica a relação com Paulo? Seria um apóstolo extra oficial aos gentios?
CurtirCurtido por 1 pessoa
Matias entra no lugar de Judas, Paulo não conta como um dos doze.
CurtirCurtido por 1 pessoa
A julgar pelo Novo Testamento, o apóstolo Paulo tem o mesmo tipo de autoridade apostólica que os Doze, ainda que ele se sujeite à autoridade deles (como no “sínodo” de Jerusalém e em Gl. 2). Essa autoridade foi recebida diretamente de Cristo. É diferente dá autoridade de Timóteo, que foi recebida de Paulo.
CurtirCurtir
Protestante não admite que Jesus tenha edificado sua única Igreja sobre Simão, a quem alterou o nome para Pedro, nem a instituição da Eucaristia, nem a catolicidade da Igreja e outras Verdades mais.
CurtirCurtir
Errado.
CurtirCurtir
Sobre o fazer discípulos, ficou restrito aos apóstolos? caso sim, qual seria o papel ou a prática da igreja hoje?
CurtirCurtido por 1 pessoa
Assim como todos os outros papéis descritos no texto, o papel de fazer discípulos (batizando e ensinando) foi repassado pelos apóstolos a outras pessoas. Além disso, embora somente pessoas investidas dessa incumbência possam pregar com autoridade, é papel de todo o povo de Deus o anúncio do Evangelho, como parte do sacerdócio universal (1Pe. 2:5,9).
CurtirCurtir
Por uma questão de interpretação. “Isso” e “isto” são usados de formas diferentes. “Isso” está relacionado a uma ação que acabara de ser realizada e “isto” a uma ação que está na eminência de se realizar. Acho que pra interpretação dessa parte da Santa Ceia, é válido levar isso em consideração.
CurtirCurtir
Na realidade, essa distinção só pode existir na língua portuguesa. O pronome demonstrativo neutro grego “touto” não faz essa distinção. Por conta disso, em um texto como Lc. 22:19, onde não existe a ação de comer, o pronome necessariamente se refere ao restante (tomar, dar graças, partir).
Mas mesmo na língua portuguesa, “isto” pode indicar aquilo que está presente, em oposição a “isso” que está ausente.
CurtirCurtir